TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

49 acórdão n.º 412/12 Como é referido pela doutrina é matéria de importância fundamental para a determinação dos limites da auto- nomia político-administrativa das Regiões o seu financiamento (Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, in Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo III, p. 325, Coimbra Editora, 2007), Consideram esses autores que apesar da Constituição ter traçado para o financiamento das Regiões Autónomas um desenho de “regiona1ismo cooperativo” isso não significa que “não haja espaço para uma leitura que privilegie as receitas próprias das Regiões – objeto de normas concretizadoras” (como os citados preceitos da LFR) “em detrimento das que lhes são proporcionadas pelas transferências estaduais”. Deve ser entendido que o núcleo estruturante da capacidade financeira das Regiões Autónomas está nas receitas que sejam consideradas próprias, assim definidas de forma garantística constituindo o âmago da autonomia financeira constitucionalmente consagrada. OTribunal Constitucional tem aliás deixado clara uma orientação que reputamos importante para discernir esta matéria. Na vasta jurisprudência constitucional publicada sobre o relacionamento financeiro entre os denominados subsetores da administração pública financeira, tem persistido a ideia de que a Constituição garante um conjunto de receitas próprias a cada um deles, núcleo essencial intocável pela legislação ordinária. No Acórdão n.º 11/83 (melhor precisado no seu conteúdo pelo Acórdão n.º 141/85) veio referir que “as disposições constitucionais não podem deixar de ser interpretadas no sentido de consentirem o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado, quando ocorram circunstâncias excecionais, nomeadamente de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento legislativo”, já que “o legislador constitucional, ao estabelecer os princípios constantes dos artigos atrás mencionados, teve basicamente presente um quadro de normalidade financeira e, consequentemente, tão-só os impostos ordinários correntes, razão pela qual devem poder haver-se por excluídos daquele quadro os impostos extraordinários e não permanentes ditados por razões de mani- festa excecionalidade (…). A jurisprudência constitucional admite que a receita de impostos extraordinários possa ser afetada a um dos setores da administração financeira pública (com os precisos limites que o Acórdão n.º 141/85 veio referir) quando razões de necessidade financeira o determinem. Também no sentido do que dispõe o artigo 25.º da LFR, remetendo para a necessidade de ser criado um imposto extraordinário para acudir a circunstâncias excecionais de necessidades de financiamento. Alargando essa hipótese de recurso a meios extraordinários o artigo 88.º da LFR veio admitir ser possível ao Estado não cumprir com as transferências previstas para as Regiões quando razões resultantes dos compromissos internacionais assim o justifiquem. Questão diferente porém é a afetação ao Orçamento do Estado da receita resultante de uma sobretaxa de um imposto que é receita regional pela norma estatutária e orgânica. Não nos parece de todo admissível constitucio- nalmente que parte da receita proveniente de um dos impostos, cuja receita cobrada ou gerada na Região é de sua titularidade, possa reverter para um outro subsetor da administração financeira. Admitir que por via de lei ordi- nária a Assembleia da República possa distinguir receita fiscal, definindo outro destino de arrecadação, pela via da criação de uma sobretaxa, é permitir esvaziar uma das fontes de financiamento principais das Regiões Autónomas e pressuposto da sua autonomia financeira e orçamental. A garantia constitucional que configura um direito da Região Autónoma seria assim irremediavelmente esvaziada. No fundo, a Constituição assegura a autonomia financeira das Regiões com um grupo fundamental de receitas, cuja fonte principal são as receitas fiscais nelas cobradas e geradas. Esse valor é o que permite à Região perspetivar as suas despesas com estabilidade e segurança. Há assim um núcleo de receitas próprias que constitui um princípio constitucional do poder de dispor de receitas próprias e que fundamentam o financiamento das Regiões Autóno- mas e que não pode ser alterado ou violado pela legislação ordinária. Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, n.º 567/04 de 23 de novembro de 2004 é necessário assegurar que as Regiões continuem a dispor do poder orçamental que lhes é atribuído, não ficando impedidas nem de tomar autonomamente as decisões de afetação das receitas às suas despesas [cfr. o artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Consti- tuição], ou seja, de decidir quais as finalidades das despesas, quais os serviços que recebem os créditos orçamentais e o seu volume, nem de definir autonomamente as suas fontes de receitas próprias. Acresce que, por outro lado. a possibilidade legalmente prevista no referido artigo 88.º da FLR que funda- menta o artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, diz respeito à excecionalidade de redução de transferências do Estado para

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