TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
407 acórdão n.º 547/12 Os aspetos referidos são relevantes, uma vez que são eles que justificam a importância a atribuir ao de- bate público entre os militantes do Partido Socialista que antecedeu o seu XVIII Congresso, aliás justamente salientado quer na deliberação impugnada, quer na contestação. Na verdade, foram (também) os aspetos mencionados que foram discutidos e foram (também) eles que fizeram a diferença na hora de votar em uma ou outra das duas moções políticas de orientação nacional em presença. Aceita-se, por isso, a afirmação conclusiva feita pela CNJ na deliberação impugnada – e que não foi objeto de oposição expressa por parte do autor – de “que por todos os militantes foi percebido e assumido que, com a aprovação da Moção no Congresso, e subsequente processo de discussão, a Comissão Nacional estava mandatada para aprovar as alte- rações que viessem a ser propostas”. Na mesma linha, é lícito concluir, acompanhando novamente o acórdão da CNJ, “que as moções de orientação nacional foram objeto de deliberação, tendo a ordem de trabalho e os respetivos documentos sido distribuídos com meses de antecedência em relação à data de realização do Congresso o que permitiu a cada um dos Congressistas fundamentar livre e esclarecidamente o seu voto”. A mera omissão de inscrição formal da questão das alterações estatutárias na ordem de trabalhos do Congresso, no contexto da discussão preparatória que antecedeu a sua reunião, não teve, por isso, o efeito alegado pelo autor no artigo 56.º da sua petição. Por outro lado, também não aparece questionado o sentido do programa da revisão estatutária, uma vez que o mesmo se encontrava delimitado na moção que fez ven- cimento no Congresso em causa. As questões suscitadas pelo autor, de resto, acabam por ser outras. O que pretende é saber se, ainda assim (isto é, não obstante o debate público anterior e posterior à reunião do Congresso), os subscritores e propo- nentes das duas citadas moções políticas de orientação nacional não deveriam ter promovido a inscrição na ordem de trabalhos do Congresso de um «ponto» referente às alterações estatutárias preconizadas nas respetivas moções. E se, não o tendo feito, não seria necessário realizar um novo Congresso de modo a permitir inscrever na sua ordem de trabalho o aludido «ponto». Por último, questiona ainda o autor se, para mandatar a Comissão Nacional para aprovar as alterações aos Estatutos, não seria necessário um ato de delegação expressa. A letra do artigo 117.º dos Estatutos parece estar do seu lado. Contudo, o elemento literal não é o único a considerar na interpretação de preceitos normativos, nem sequer o decisivo. De todo o modo, para decidir a presente ação, não tem este Tribunal de aprofundar mais a hermenêutica do artigo 117.º dos Estatutos, já que a simples verificação de que no caso concreto os valores tutelados por tal artigo decorrentes dos princí- pios democráticos de organização partidária, em especial, a salvaguarda da reserva de iniciativa estatutária e a publicidade e anterioridade da discussão relativa à revisão estatutária, não são beliscados é, por si só, suficien- te para não se ter por verificada uma “grave violação” desse preceito, relevante nos termos e para os efeitos do artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC (cfr. supra o n.º 8.5.). E, no caso concreto, é seguro que os valores em causa foram salvaguardados no iter procedimental que culminou na deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012. Em primeiro lugar, no tocante à reserva de iniciativa de revisão estatutária. A limitação da iniciativa a uma percentagem mínima dos militantes inscritos – artigo 117.º, n.º 2, alínea c) , dos Estatutos do Partido Socialista – destina-se tão somente a prevenir que o Congresso seja obrigado a discutir iniciativas propostas sem um mínimo de representatividade. Trata-se, por assim dizer, de um mecanismo de prevenção contra eventuais disfuncionalidades inerentes ao mecanismo de «agendamento potestativo» aí previsto. Não está em causa impedir os militantes, mediante «iniciativas das bases», de proporem revisões estatutárias. Por isso, mesmo desconhecendo o número de subscritores iniciais da moção política de orientação nacional vencedo- ra no XVIII Congresso, a sua aprovação pelo mesmo seria, em qualquer caso, suficiente para ratificar uma eventual iniciativa irregular. Atentas as finalidades visadas pela limitação da iniciativa de simples militantes, uma vez respeitadas a ponderação e discussão das propostas de alteração dos Estatutos nos procedimentos preparatórios do Congresso, com especial destaque para a eleição dos delegados ao Congresso, nada obsta a que, durante a reunião do Congresso, este delibere ratificar eventuais irregularidades ocorridas na fase da elaboração da respetiva ordem de trabalhos. Aliás, impedi-lo é que seria pouco consentâneo com o princípio da democracia interna e com a representatividade própria do Congresso.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=