TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

389 acórdão n.º 547/12 antecedência­em relação à data de realização do Congresso o que permitiu a cada um dos Congressistas fundamen- tar livre e esclarecidamente o seu voto. Pese embora isso, é facto que não existiu, formalmente, a inscrição na ordem de trabalhos para atribuição do mandato. Porém, face a toda a materialidade descrita e ao longo de meses não contestada, terá de sobrepor-se a forma à matéria, o adjetivo ao substantivo. Julga-se que a resposta, de novo, poderá ser encontrada no direito administrativo, mais uma vez tido por direito subsidiário face à natureza pública do Partido Socialista, como qualquer outro partido político. No direito administrativo, a vontade manifesta-se através de decisões individuais ou deliberações coletivas. Uma e outras precedidas do denominado procedimento administrativo. composto de vários atos instrumentais, quase todos sem autonomia em relação ao ato final. Porém, alguns deles assumem uma relevância tal que podem determinar a anulação ou nulidade da decisão ou deliberação tomadas. Designadamente, se ocorrer omissão de formalidades essenciais, como parece ser o caso da omissão formal de inscrição de um ponto na ordem de trabalhos. Sucede que, nem todas as omissões de formalidades são essenciais ou determinam a invalidade do ato. Nas palavras dos autores Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Contra- tação Pública , pp. 246-247, Almedina 2011), “um outro mecanismo destinado a atenuar o desvalor normalmente associado à inobservância de uma formalidade consiste na denominada teoria das formalidades não essenciais ou, então, como melhor pode dizer-se, só relativamente essenciais. Há muito adotada pela jurisprudência e doutrina nacional e estrangeira, inclusive em matéria de contrata- ção pública, a referida teoria diz-nos que devendo as formalidades do procedimento, em princípio, considerar- -se essenciais abstratamente invalidantes, elas poderiam em certas circunstâncias, e salvo se a lei não dispusesse expressamente de outra forma, degradar-se em formalidades só relativamente essenciais, geradoras da invalidade do ato afetado apenas quando os fins ou interesses a que as mesmas estivessem legalmente votadas não tiverem sido alcançados em concreto, por qualquer outra via, legal e legítima claro (por mero acaso até). Diversamente, se, apesar da omissão ou prática deficiente da formalidade, o objetivo ou interesse da respetiva norma se realizasse à mesma, em concreto, por outra via (sem se incorrer para isso noutra ilegalidade), então, dada a inocuidade teleológica daquela preterição, estaríamos perante um caso de mera irregularidade do ato em causa, já não da sua invalidade. À luz da doutrina citada, os autos podem ser enquadrados do seguinte modo: Só o Congresso Nacional tem poderes para mandatar a Comissão Nacional para aprovar revisão estatutária. Tais poderes têm de ser manifestados por deliberação e essa deve estar previamente inscrita na ordem de trabalhos. In casu, o Congresso aprovou a moção “ Novo Ciclo”, a qual expressamente propunha que a Comissão Nacio- nal fosse mandatada para aprovar a revisão dos Estatutos. Não inscreveu expressamente essa individual e concreta deliberação na ordem de trabalhos. A Comissão Nacional aprovou a revisão estatutária. Julga-se, assim, que a omissão da inscrição na ordem de trabalhos degradou-se em formalidade não essencial, uma vez que a sua ausência não impediu a verificação do facto pretendido: a revisão dos Estatutos, conforme resul- tou quer da aprovação expressiva da moção de orientação global, quer do debate mantido ao longo de seis meses no período compreendido entre setembro e março. O mandato à Comissão Nacional para rever os Estatutos foi conferido, englobado numa deliberação de objeto mais vasto, mas inequivocamente conferido e, como tal, materialmente respeitado o disposto no artigo 117.º dos Estatutos do PS: Ou seja, e retomando os autores citados, existe “uma situação de irrelevância (substantiva) do vício de procedi- mento sempre que, e na medida em que, os fins específicos que a imposição legal ou regulamentar da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados no caso concreto, ainda que por outra via. Assegura-se desta forma o valor dos preceitos de forma, mas evita-se cair num formalismo excessivo ou estéril, tendo em consideração o caráter instrumental das prescrições procedimentais.

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