TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
369 acórdão n.º 400/12 autarquias locais podem submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas na compe- tência dos seus órgãos, nos casos, termos e com a eficácia que a lei estabelecer». Cabe, pois, determinar se a pergunta referendária tem inscrição em matéria da competência da Assembleia de Freguesia. A deliberação referendária visa colocar aos fregueses de Meia Via a seguinte pergunta: “Concorda com a integração da freguesia de Meia Via no concelho do Entroncamento”. Numa primeira aproximação, dos termos dessa interrogação decorre que o referendo local em apreço pretende inscrever-se na participação da referida Assembleia de Freguesia não apenas no quadro da reorga- nização administrativa do território das freguesias, mas, principalmente, no quadro, mais vasto, da reorga- nização administrativa do território dos municípios, na medida em que a pergunta referendária coloca em questão a reconfiguração territorial de dois municípios: do município de Torres Novas, no qual se insere presentemente a freguesia de Meia Via, que sofreria a consequente redução territorial (e de munícipes); e do município do Entroncamento, para onde se projeta a passagem da mesma freguesia e que seria correspon- dentemente ampliado. Não sofre dúvidas a possibilidade de participação consultiva dos órgãos autárquicos, quando prevista em processo legislativo conducente à reorganização do território autárquico (cfr. Acórdãos do Tribunal Consti- tucional n. os 390/98 e 384/12). A iniciativa referendária assume expressamente esse propósito, com referência ao processo deliberativo complexo estabelecido na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, no âmbito do qual é concedido às assembleias de freguesia o poder de apresentar «pareceres sobre a reorganização territorial autárquica», os quais, de acordo com o estabelecido no artigo 11.º, n.º 4, do mesmo diploma, devem ser ponderados pela Assembleia Muni- cipal no quadro da preparação da sua «pronúncia», de acordo com o n.º 1 do mesmo artigo. É certo que a faculdade concedida às assembleias de freguesia de emitir parecer não vinculativo para ponderação pela assembleia municipal na pronúncia, também ela não vinculativa, a endereçar por esse órgão à Assembleia da República, encontra-se dirigida, em primeira linha, para a reorganização administrativa do território de freguesias, propondo-se o processo legislativo em questão atingir a obrigatória redução global do número das freguesias, fundamentalmente através de movimentos de agregação de freguesias no seio do município em que se inserem. Porém, e como decorre do artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, paralelamente à reorganização administrativa do território das freguesias, o mesmo processo legislativo tem igualmente como objeto a reorganização administrativa do território dos municípios, já não estabelecida como obrigatória, mas, ainda assim, regulada e incentivada. E, em concretização desse propósito de regula- ção e estímulo, o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, prevê que os municípios, em caso de acordo, proponham a alteração dos seus limites territoriais, mormente através da «transferência entre si da totalidade ou de parte do território de uma ou mais freguesias», a incluir na mesma «pronúncia» prevista no artigo 11.º daquela Lei. Assim, e como se decidiu no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/12, perante delibe- ração referendária similar, habilitando a lei a Assembleia Municipal a pronunciar-se sobre a transferência intermunicipal de freguesias, justifica-se plenamente que as assembleias de freguesia interessadas possam emitir parecer com esse objeto. Mais: uma vez que se encontra em questão uma alteração da área de municí- pios, por efeito de transferência da totalidade do território de uma freguesia, a consulta prévia dos órgãos das autarquias abrangidas – não apenas os dos municípios, mas também os da freguesia afetada – corresponde a um imperativo constitucional, nos termos do disposto no artigo 249.º da CRP (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 759 e 760). Em consequência, por força da remissão para a lei ordinária constante do n.º 1 do artigo 240.º da CRP, conclui-se que a deliberação de realização de referendo local tomada pela Assembleia de Freguesia de Meia Via não contraria a Constituição, na medida em que a questão a colocar tem como objeto matéria sobre a qual a assembleia de freguesia dispõe de competência legalmente atribuída pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, ainda que, como adiante se explicitará, em termos limitados.
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