TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

350 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que permita separar a retroatividade intolerável da tolerável, então, o âmbito de aplicação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal pode ficar inteiramente dependente das escolhas do legislador. Basta que este último atribua às coisas a configuração formal de “imposto autónomo”, com facto tributário for- malmente “único” e “com efeitos totalmente já passados”, para que se esteja no campo da “retroatividade” proibida; e, inversamente, basta que o mesmo legislador configure formalmente as coisas de outro modo para que se esteja no campo da “retroatividade” tolerada. Não me parece que seja aceitável um tal resultado. Por isso votei no sentido da não inconstitucionali- dade: como se demonstra no ponto 4 da fundamentação do Acórdão n.º 18/11, estão em causa, neste caso, encargos que, por natureza, são indispensáveis para a formação do rendimento sobre o qual incide o IRC. Não compreendo por isso em que é que se pode estribar a qualificação do imposto que sobre eles recai como imposto “autónomo”, (e “autónomo” face ao IRC), de tal forma que, ao contrário do que sucederia se a alteração legislativa incidisse sobre o restante rendimento sujeito a IRC, se considere aqui o facto tributário como tendo produzido já todos os seus efeitos. A não ser que se adote (como penso que aconteceu) uma visão excessivamente formal do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, que, justamente por ser excessivamente formal, corre o risco de colocar a força vinculativa da Constituição à disposição do legislador ordinário. – Maria Lúcia Amaral DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido pelas razões constantes do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/11 a que acrescento as seguintes considerações. Os n. os 3 e 4 do artigo 81.º do CIRC referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que esta- belece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa de anular ou atenuar a vantagem fiscal que resulte de dedução de despesas que o sujeito passivo utilize para fins não empresariais. A nova redação dada a esses preceitos pela Lei n.º 60/2008 veio reforçar esta perspetiva, diferenciando diversas situações possíveis, que são tributadas, consoante os casos, à taxa de 5%, 10% ou 20%, com o que se pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de vista do interesse público. Não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única mas perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do IRC, e perante uma solução legislativa cujo objetivo poderia ter sido atingido, ainda que com menor eficácia, através da redução de encargos dedutíveis para a determinação da matéria coletável. Por outro lado, se o princípio da proibição da retroatividade do imposto, tal como resulta do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, visa tutelar a confiança dos contribuintes na continuidade do regime jurídico, impedindo que estes possam ser surpreendidos por um agravamento fiscal em relação a factos tributários que produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, não há nenhuma razão para que esse mesmo princípio tenha aplicação na situação versada nas referidas normas dos n. os 3 e 4 do artigo 81.º do CIRC. De facto, estando em causa encargos que, por natureza, são indispensáveis para a realização dos provei- tos ou ganhos que estão sujeitos a imposto, não é aceitável a alegação de que o contribuinte teria incorrido em despesas, na perspetiva da continuidade do regime legal anteriormente existente, que já não efetuaria caso pudesse contar entretanto com um agravamento da taxa de tributação. Se essas despesas eram efetivamente necessárias ao desenvolvimento da atividade da empresa e à obten- ção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas, em condições de normalidade, mesmo que fosse já conhe- cida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável; além de que o regime legal, mesmo antes da

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