TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
349 acórdão n.º 617/12 e, em consequência; b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se a decisão recor- rida. Sem custas. Lisboa, 19 de dezembro de 2012. – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Pedro Machete – Vítor Gomes – Fernando Vaz Ventura – José da Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Maria José Rangel de Mesquita – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral (vencida, nos termos da declaração que junto) – Carlos Fernandes Cadilha (vencido nos termos da declaração de voto anexa) – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida: mantenho o juízo de não inconstitucionalidade, que já subscrevi no Acórdão n.º 18/11. Penso que o Tribunal segue um raciocínio que já vinha sendo esboçado em decisões anteriores (Acórdão n.º 399/10) e do qual, claramente, me afasto. O raciocínio é o seguinte. Em primeiro lugar, parte-se da proposição segundo a qual o n.º 3 do artigo 103.º da CRP contém “uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de imposto”, regra essa cujo sentido o Tribu- nal pode e deve apreender sem recurso interpretativo ao princípio que a gerou – o princípio da proteção da confiança –, e, portanto, sem “qualquer juízo de proporcionalidade” que vise verificar se a medida “legisla- tiva com eficácia retroativa (…) afeta desrazoavelmente a confiança dos cidadãos”. Em segundo lugar, diz-se que “esta proibição de retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente”. Em terceiro lugar, avalia-se o direito infraconstitucional, procurando saber se a forma como nele o legislador conformou o facto tributário coloca a “retroatividade” no âmbito da primeira categoria (a da retroatividade autêntica) ou no âmbito da segunda (a da retrospetividade ou retroatividade imprópria). O que me faz discordar deste raciocínio é a proposição de que se parte. Não é possível, a meu ver, de- fender que o n.º 3 do artigo 103.º consagra uma “regra absoluta”, cujo sentido seja apreensível sem qualquer recurso, no plano hermenêutico, ao princípio da proteção da confiança. Se se sustenta a plena autonomia de sentido do n.º 3 do artigo 103.º da CRP face a qualquer ponderação principial, como é que se passa logicamente da primeira proposição para a segunda? Como é que se sabe que a Constituição só proíbe a retroatividade autêntica e não proíbe a inautêntica? E como é que se distingue uma da outra? A resposta à última pergunta dá-a o Acórdão a partir do critério do facto tributário, gerador do imposto. Se este é um facto passado, anterior à lei nova, com todos os seus efeitos já produzidos, a retroatividade é própria ou autêntica e por isso constitucionalmente proibida; se este não é um facto passado, anterior à lei nova, mas com efeitos ainda não totalmente produzidos, a retroatividade é inautêntica e por isso constitu- cionalmente permitida. Não afirmo que esta tese, assim enunciada, não esteja certa. O que me parece é que ela não pode ser enunciada só assim. Ao fazer depender, de forma absoluta e exclusiva, do critério do facto tributário (formal- mente entendido) a distinção entre retroatividade própria e retroatividade imprópria, o Tribunal corre o risco de, em inversão metódica, vir a interpretar a Constituição em conformidade com a lei, em vez de interpretar a lei em conformidade com a Constituição. Se não há nenhum critério material, de ordem constitucional,
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