TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
330 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, IV) Declarada a especial complexidade do processo, por despacho proferido nos autos, o arguido preso preventivamente desde 4 de setembro de 2010, viu, de forma automática e sem qualquer ação de qual- quer sujeito processual, os prazos de duração da prisão preventiva substancialmente agravados, e que no limite poderão levar o arguido a cumprir prisão preventiva até quatro anos (vide artigo 215 n.º 3 e 5 do CPP), mas, pelo contrário, o prazo para a defesa, para o exercício dos seus direitos, nomeadamente o direito ao recurso, mantêm-se inalteráveis, a não ser que haja um procedimento em jeito de incidente, um impulso processual da parte do arguido, a requerer o alargamento do prazo para 30 dias para a defesa ou recurso do arguido, conforme o disposto no artigo 107.º n.º 6 do CPP. V) A lei, através do confronto dos artigos 215 n.º 3 e 4 e 107, n.º 6, determina, no fundo, que os direi- tos fundamentais do preso preventivo sejam limitados, restringidos e coartados, de forma imediata e automática, mas, em contrapartida, não estabelece, de forma equitativa e automática, um conjunto de direitos que salvaguardem um equilíbrio manifesto entre os direitos restringidos e os direitos de defesa que o arguido preso preventivamente tem ao seu dispor. VI) O Tribunal recorrido usou, pois, de “dois pesos e duas medidas”. VII) A lei, através do confronto dos artigos 215 n.º 3 e 4 e 107, n.º 6, não coloca em pé de igualdade a res- trição automática do direito (à liberdade) que é coartado ao arguido preso preventivamente e o direito à defesa condigna e equitativa que para ser acionada a lei faz depender de um “impulso processual”, em manifesta violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da CRP e do artigo 20.º, n.º 4, também da CRP. VIII) Igualmente, por via da aplicação do artigo 107, n.º 6 do CPP, em confronto com o artigo 215, n.º 3 e 4 do CPP, resulta coartado o direito de recurso do ora recorrente, e com isto, mostra-se violado o direito fundamental constitucionalmente consagrado no artigo 32.º da CRP. IX) Entende o Venerando Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra que o arguido recorrente poderia ter acionado a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias, não vislumbrando que o arguido tenha ficado diminuído nos seus direitos de defesa ou que tenham sido violados preceitos constitucionais. X) Este entendimento é incorreto, por um lado, uma vez que o arguido preso preventivamente viu o seu recurso interposto para a Relação declarado extemporâneo, por nomeadamente não preencher os requisitos do artigo 107, n.º 6, o que necessariamente provocou uma diminuição dos seus direitos de defesa, por não ter havido a correspondência equitativa supra alegada. XI) Por outro lado, este entendimento normativo é inconstitucional por violação do reduto nuclear das garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º da Lei Fundamental, por violação do direito à igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e o direito a um processo equitativo (art. 20.º da CRP) XII) Daí que não sejam admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, nomeadamente o direito ao recurso, as rejeições formais que limitam intoleravelmente, dificultam excessivamente, imponham entraves burocráticos ou restringem restringem desproporcionalmente tal direito. XIII) O arguido foi condenado a 4 anos e oito meses de prisão efetiva e cumpre prisão preventiva desde 4.09.2010, tendo visto os limites da prisão preventiva substancialmente agravados nos termos do artigo 215.º n.º 3 e 4 do CPP, e, por razões processuais erradas e inconstitucionais está a ver o seu direito ao recurso coartado, impedindo-se, desta forma, que o acórdão condenatório seja examinado por um Tribunal Superior. XIV) O legislador ao produzir a norma excecional constante do artigo 107.º n.º6 do CPP não pretendia, certamente, fixar um preceito restritivo que, na prática suprimisse o direito ao recurso. XV) Pretendeu sim proceder a uma equivalência entre os direitos restringidos ao arguido preso preventiva- mente no âmbito da declaração de especial complexidade ao processo e os direitos de garantia de defesa do arguido, reforçando estes na mesma proporção.
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