TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

33 acórdão n.º 404/12 Tal como sempre nos afastaríamos da linha do acórdão quando este considera que o prévio esgotamento das vias hierárquicas de recurso não afeta o direito de queixa para além da justa medida, como já resulta do que atrás se sustentou. Por tudo isto, não pude deixar de considerar que as normas constantes do artigo 34.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, e do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 19/95, de 13 de julho, no segmento em que impõem a prévia exaustão das vias hierárquicas previstas na lei para a apresentação de queixa ao Pro- vedor de Justiça por parte dos militares ou agentes militarizados, violam os artigos 23.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da Constituição. – Catarina Sarmento e Castro DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido com base nas seguintes considerações. I – Contrariamente ao que se afirma no Acórdão, a independência da atividade do Provedor de Justiça em relação aos «meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis», tal como previsto no n.º 2 do artigo 23.º da Lei Fundamental, não pretende apenas garantir a possibilidade de cumulação da queixa ao Provedor de Justiça com outros meios de impugnação das decisões administrativas – caso em que a norma ficaria desprovida de qualquer efeito útil – , mas significa antes que o acesso ao Provedor de Justiça, enquanto órgão de garantia dos direitos fundamentais perante os poderes públicos, não pode ficar «depen- dente de condições especiais ou restrições particulares», o que implica a «não dependência de prazos ou nem de outros condicionamentos» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I vol., 4.ª edição, p. 441; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, Tomo I, p. 494). No seu conteúdo dispositivo essencial, a norma pressupõe que o cidadão, na defesa dos seus direitos, possa optar livremente por solicitar a intervenção do Provedor de Justiça, independentemente do recurso a qualquer forma de impugnação administrativa ou a um qualquer tipo de reação jurisdicional. Dito de outro modo, o interessado pode preferir exercer o direito de queixa ao Provedor ainda que disponha de outros meios de reação administrativa ou contenciosa, e pode fazê-lo mesmo que se encontrem já esgotados os pra- zos legalmente previstos para o exercício de qualquer desses outros mecanismos de tutela. Não faz, por isso, qualquer sentido interpretar o requisito de independência consignado no citado artigo 23.º, n.º 2, como correspondendo a uma forma de intervenção complementar, que poderia ficar condicio- nada, segundo o livre arbítrio do legislador, pelo prévio esgotamento de outros meios de resolução do litígio. Por outro lado, a sujeição da queixa ao Provedor de Justiça ao princípio da exaustão do meios graciosos, no interior da administração militar, constitui, não apenas um mero condicionamento temporal relativa- mente ao exercício do direito, mas um condicionamento substancial, no ponto em que implica que o militar tenha de informar previamente os superiores hierárquicos da sua discordância relativamente a qualquer situação suscetível de constituir violação dos seus direitos ou interesses legítimos – e, no fundo, manifestar a sua intenção de exercer o direito de queixa perante o Provedor de Justiça – , o que objetivamente coarta o livre uso desse direito. Deve notar-se, noutro plano, que a queixa ao Provedor de Justiça não se enquadra no elenco de res- trições do artigo 270.º da Constituição, nem pode ser entendida como uma limitação implícita decorrente da necessidade de compatibilizar o exercício desse direito com o valor constitucional atinente ao estatuto militar. Ainda que se admita a possibilidade de restrição aos direitos fundamentais no quadro das relações especiais de poder, em ordem à necessidade de assegurar a realização dos objetivos da respetiva instituição (como seja o objetivo da defesa nacional), o que sucede é que, em relação aos militares e agentes militarizados e agentes de serviços e de forças de segurança, essas restrições estão já especialmente previstas naquele artigo 270.º, apenas podendo ser alargadas a outros direitos aí não elencados nos casos em que a restrição se mostre

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=