TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
323 acórdão n.º 595/12 É óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sanciona- tórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referi- das naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), [...] [...] Dentre os processos sancionatórios é o processo contraordenacional um dos que mais se aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal, embora a este não possa ser equiparado. Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade direta e global aos processos con- traordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal [...] [...] A diferença de “princípios jurídico – constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra – ordenações” reflete – se “no regime processual próprio de cada um desses ilícitos”, não exigindo “um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal [...]”.» O que não significa, como veremos oportunamente, que não se coloquem exigências constitucionais de que o procedimento obedeça, também nessa outra fase, aos imperativos de um due process, mas não com a matriz e com o conteúdo que a sentença fez decorrer do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição. Como se assinalou no Acórdão n.º 461/11, o Tribunal também tem sublinhado que a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal é conciliável com “a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal” (Acórdãos n. os 469/97 e 278/99). 6. Não vai compreendido nesta imposição de conformação legislativa (e de atuação concreta do processo de contraordenação), nomeadamente por ser considerado conatural ao direito de defesa, a de que à mesma autoridade administrativa esteja vedado desempenhar, no mesmo processo, funções de investigação e de decisão. Garantidos os direitos de audiência e defesa, a fase administrativa do processo contraordenacional pode assumir uma estrutura inquisitória típica, porquanto o princípio da estrutura acusatória do processo é restrito ao processo criminal, não sendo estendido a este outro tipo de processo sancionatório Como o Tribunal disse no Acórdão n.º 581/04 (disponível, como os demais citados sem outra indicação em www.tribunalconstitucional.pt ) , a propósito de acusação semelhante, “a posição do arguido está garanti- da, não apenas, em primeiro lugar, nos limites das especificidades do processo administrativo, e, depois, na possibilidade de os destinatários da decisão promoverem a sua apreciação judicial, com todas as garantias inerentes ao processo jurisdicional [...]. Em suma: não só o ato em causa não é de molde a pôr logo em questão a imparcialidade do decisor, como a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contra‑ordenacional (n.º 10 do artigo 32.º da Constituição) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.º 5 do artigo 32.º, para o “processo criminal”, como, ainda – e, numa certa perspetiva, decisivamente –, a posição do ar- guido está garantida pela possibilidade de recurso jurisdicional. O n.º 10 do artigo 32.º da Constituição não é, pois, desrespeitado só pelo mero facto de não serem diferentes os funcionários que confirmam o auto de notícia e proferem a decisão final”. Se isto é assim quando a identidade entre o autor da investigação ou do impulso processual e o da deci- são respeita à pessoa física, sê-lo-á, por maioria de razão quando a confusão ou não separação de poderes ou funções no âmbito do mesmo processo é meramente orgânica, como no caso sucede. Não se ignora que, em alguns regimes especiais, sem subtrair o processamento e decisão primária à esfera da Administração, se estabelece diferenciação de funções ou competências no seio do processo de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=