TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da gestão dos jogos cujo exclusivo lhe está confiado, nomeadamente, que a instituição seja encarregada de fazer­atuar as sanções contraordenacionais contra a violação das proibições estabelecidas no domínio dos jo- gos sociais, não exorbita das razões pelas quais, em geral, se confere o exercício de poderes sancionatórios des- ta natureza às autoridades administrativas. Não consiste, contra o que parece ter influenciado a compreensão da questão de constitucionalidade pela decisão recorrida, em permitir a um “agente económico” defender a sua posição ou interesse privatístico, mas de encarregar uma entidade privada com poderes públicos ( uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa, uma entidade privada administrativa) de prosseguir os fins de interesse público que ditam que a atividade em causa seja proibida. 5. A decisão recorrida considerou violado o princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição que, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva” dispõe que “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante­processo equitativo”. Sucede que desta norma constitucional não decorre o efeito que a decisão recorrida, por si e pelo que absorve do precedente jurisprudencial a que se acolhe (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2 de novembro de 2011, P. 801/06.6TPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt ) , lhe atribuiu, no que se refere à fase administrativa do processo de contraordenação. Desde logo, porque a conformação legislativa dessa fase do processo de contraordenação está fora do campo de previsão desta norma constitucional. O “processo equi- tativo” que constitui objeto imediato do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição respeita à “tutela jurisdicional efetiva”, aos “tribunais”, a “causas” e “procedimentos judiciais”. Como diz o Ministério Público, a linguagem, o sentido e a função desta disposição constitucional são inequívocos ao localizarem o direito (fundamental) ao processo equitativo em sede “judicial” e não em sede “administrativa”, como é o caso da fase administra- tiva do “processo de contraordenação”. O que conta, pois, para concretizar esta garantia constitucional, é que o arguido, sem embaraço ou custo excessivos, possa impugnar a decisão administrativa sancionatória, abrindo um verdadeiro processo judicial, que corre termos no tribunal competente, é decidido por um juiz, através de um procedimento contraditório e assegura ao arguido todas as garantias de defesa. A esta fase aplicam-se por inteiro as exigências do proces- so equitativo, designadamente as que respeitam à separação entre a titularidade do impulso acusatório e a competência decisória e a imparcialidade do órgão decisor – exigências que, aliás, são objeto de parâmetros constitucionais específicos e que, por isso, é operativamente desnecessário amalgamar no conceito de proces- so equitativo – mas tal garantia não é vulnerada pelas regras competenciais ou pela estrutura organizatória das “autoridades administrativas” que intervêm na decisão sancionatória prévia, objeto de impugnação. Efetivamente, como se disse no Acórdão n.º 659/06, a propósito da introdução do atual n.º 10 do artigo­ 32.º da CRP – efetuada pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios – que se pretendeu assegurar, nesses processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, expondo-se o alcance da referida norma e da apli- cabilidade dos princípios da constituição processual criminal, nos termos seguintes: «Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender – se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constitui- ção Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º – B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cfr. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República , 2.ª série – RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541 – 544, e 1.ª série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466).

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