TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 2, que “a atividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis”. Não creio que a independência afirmada no texto constitucional traduza fun- damentalmente a ideia de que uma decisão proferida na sequência do acionamento daqueles mecanismos de defesa não deve condicionar a recomendação que o Provedor entenda emitir. Em meu entender, sendo a independência característica constitucional atribuída à atividade do Provedor de Justiça em si mesma ( v. g ., no que respeita aos seus próprios critérios de apreciação e de decisão), dela resultará, ainda, que o esgota- mento prévio da via hierárquica não pode ser legalmente configurado enquanto condição (prévia) de que necessariamente dependa o exercício do direito de queixa. A apresentação de queixa ao Provedor de Justiça é um outro meio mais, uma via suplementar que se abre para defesa dos direitos, que, pelo seu caráter, deve poder ser utilizada de modo cumulativo, mas também alternativo, relativamente aos demais meios graciosos e contenciosos. Embora se concorde que a obrigatoriedade da prévia exaustão dos recursos hierárquicos não retira a disponibilidade do direito de queixa – podendo, à utilização da via hierárquica seguir-se, depois, cumulativa- mente, a apresentação de queixa – na verdade, tal obrigatoriedade, como está consagrada, significa que, sem que se percorra a via hierárquica, não se pode aceder ao Provedor de Justiça. Ou seja, a queixa ao Provedor de Justiça depende, nas normas em apreciação, do prévio acionamento de tais mecanismos. Como escrevem, na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portugue- sa Anotada , Volume I, Coimbra Editora, p. 442) «A função do Provedor de Justiça é fundamentalmente caracterizada pela sua natureza informal e não jurisdicional, e pela sua independência em relação aos meios graciosos e contenciosos de defesa dos administrados (n.º 2) (…). O Provedor pode intervir, quer quando o cidadão tenha à sua disposição um meio gracioso e contencioso (recorrendo, ou não, simultaneamente a ele), quer quando o não tenha, por terem passado os prazos de reclamação ou de recurso (…)». Ora, prever a necessária exaustão das vias hierárquicas como condição de acionamento de um meca- nismo de garantia que poderá ser o único (ou o último) meio “para prevenir e reparar injustiças”, traduz-se na imposição de um sacrifício que, a meu ver, não se cinge a condicionar o tempo e o modo de exercício do direito de queixa. A obrigatoriedade de exaurir previamente os mecanismos de impugnação administrativa limita, gravemente, o modo de exercício do direito de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça (afas- tando o acesso imediato e direto, prejudicando a informalidade), estende excessivamente o tempo necessário à obtenção da tutela que se pretende obter (causando excessiva demora, prejudicando a celeridade que deve caracterizar o recurso a este mecanismo), dificultando de modo intenso ou, em muitos casos, obstaculizando, qualquer efeito útil da apresentação da queixa. Não pode, consequentemente, deixar de se considerar que tal imposição, capaz, até, de conduzir à irreversível consolidação do prejuízo a que com a queixa se procuraria obstar, comprime em forte grau e intensidade o direito de queixa ao Provedor de Justiça, não sendo um mero ónus ao seu exercício, antes afetando esse direito de forma intolerável. Nalgumas circunstâncias – em que a celeridade, desde logo, se justificaria – argumentar que o direito de queixa sempre se manteria exercitável não basta, desde logo quando, apesar de ser ainda possível o seu exercício, este possa já não ter utilidade. Note-se, ainda, que do artigo 23.º da Constituição não resulta uma autorização expressa de restrição do direito de queixa ao Provedor de Justiça. Não se esquece que esta limitação é, no caso das normas em apreciação, imposta a militares e agentes militarizados, cujos direitos fundamentais podem ser sujeitos a restrições acrescidas, em virtude do seu espe- cial estatuto. Acontece, todavia, que a previsão em apreciação também não encontra respaldo na autorização constitucional expressa no artigo 270.º da Constituição. Tal, por si só, poderia não obstar a que se estabelecesse a solução legal impugnada. Mas, ainda que assim não fosse, sempre se diria que não se tem por demonstrado que a necessidade de salvaguardar «o superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas», enquanto bem jurídico-consti- tucional, para cuja garantia concorrem a hierarquia de comando, a coesão e a disciplina militares, imponha que apenas a última decisão do órgão máximo da hierarquia militar possa ser contestada junto do Provedor de Justiça.
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