TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
307 acórdão n.º 594/12 dias depois (também antes do dia de entrega da candidatura), mas a sua residência permanente no estran- geiro ocupou todo o tempo de aulas (e exames, etc.) do ano letivo em cujo termo a recorrente se candidatou ao ensino superior (e dos dois anos anteriores, claro). VIII. A interpretação que a recorrente defende tem o mínimo de correspondência verbal exigido pelo artigo 2 do Código Civil, embora não inclua a ideia disparatada de que no momento em que os documentos de candidatura são entregues o candidato em férias escolares tenha de continuar a residir no estrangeiro. IX. O tribunal a quo não fez o esforço de perceber a regra do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99. Se tivesse feito, teria visto que essa regra não se compõe de palavras arbitrárias, mas antes consagra requisitos que fazem pleno sentido no quadro geral deste diploma, mormente, quando faz depender o acesso ao regime especial, além do mais, dos dois seguintes requisitos cumulativos: – O requerente tem de ter passado mais de dois anos letivos no estrangeiro ao serviço do Estado português ou acompanhando familiar ao serviço do Estado português. – E esses dois anos letivos têm de incluir o momento da candidatura ao ensino superior, ou seja, o candi- dato não pode ter deixado passar novo ano letivo, desde o seu regresso, antes de se candidatar. X. Estes requisitos são bons de compreender no quadro da prevenção daqueles casos em que, por abuso ou fraude à lei, os candidatos se colocassem propositadamente sob a égide do regime especial, no lugar de ace- derem via regime geral. XI. Pelo contrário, não se compreende que a residência no estrangeiro que tenha incluído todo o período de aulas e exames do ano letivo ainda tivesse de incluir o próprio impulso formal do processo administrativo de candidatura. XII. A cessação da missão do pai da recorrente antes dela se candidatar à universidade não faz ignorar o afas- tamento do país por dois anos letivos, sendo que esse é o pressuposto essencial em que assenta o regime jurídico controvertido. XIII. A situação de desvantagem que o regime especial visa compensar já se encontrava concretizada quando ela concorreu à universidade e não desapareceu por a missão do pai ter terminado 10 dias antes da candidatura. XIV. Por outro lado, o facto de a recorrente poder, em teoria, aceder ao ensino superior via regime geral não cons- titui de per si motivo impeditivo do acesso pelo regime especial invocado. Desde logo, porque não existe regra legal que o impeça e, se assim fosse, nenhum candidato poderia aceder pelos regimes especiais, visto que, em teoria, todos poderiam aceder pelo regime geral. Para além de que estaria a concorrer em condições de desvantagem face aos demais candidatos. XV. A situação da recorrente tem um traço distintivo: foi afastada de Portugal em virtude da nomeação do seu pai para missão no estrangeiro, o que representa, aos olhos do legislador, uma situação de desvantagem face aos demais candidatos ao ensino superior. XVI. Aquela nomeação confere estatuto especial à recorrente porque, ao mesmo tempo que afasta qualquer suspeita de abuso ou fraude no acesso ao ensino superior, legitima uma prerrogativa de ingresso sem estar sujeita às limitações quantitativas do regime geral. XVII. Os princípios da justiça e da igualdade são relevantes para este caso enquanto elementos interpretativos que o tribunal a quo não podia deixar de ter em conta para perceber a regra do artigo 10.º, uma vez que são precisamente razões de justiça e de igualdade que estão na base dos regimes especiais de acesso ao ensino superior. XVIII. Em suma, a interpretação correta do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, é a seguinte: – O candidato pelo regime especial de acesso tem de ter passado mais de dois anos letivos no estrangeiro ao serviço do Estado português ou acompanhando familiar ao serviço do Estado português. – Esses dois anos letivos têm de incluir o momento da candidatura ao ensino superior português, ou seja, o candidato, desde o seu regresso e antes de se candidatar, não pode ter deixado passar novo ano letivo (nem novo período de aulas num ano letivo). XIX. Esta interpretação é a única que dá sentido, dá vim ac potestatem, ao referido artigo 10.º e assim é a única que obedece à presunção de que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas» (art. 2.º, n.º 3, do
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