TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
301 acórdão n.º 592/12 o princípio da segurança jurídica e os outros princípios ou bens constitucionalmente protegidos subjacentes à norma a apreciar. Nos Acórdãos n. os 128/09 e 399/10 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ), confirma-se que aquela ponderação deve obedecer a quatro critérios ou testes cumulativos. Assim, «para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mor- mente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continui- dade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em pon- deração, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.» Cumpre, pois, qualificar a situação vertente à luz do quadro jurídico traçado. Ora, constituindo a prescrição das obrigações tributárias e as respetivas causas de interrupção e sus- pensão verdadeiras garantias dos contribuintes, há que concluir que a aplicação de causas de interrupção ou suspensão introduzidas pela lei nova a prazos de prescrição que já haviam começado a correr ao abrigo da lei antiga é assimilável a uma situação de aplicação retrospetiva de norma fiscal desfavorável. Com efeito, não há dúvida de que, correspondendo a prescrição à “extinção de uma obrigação vencida em consequência do decurso de um prazo” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, 2007, p. 261), por razões de certeza, de segurança e de paz jurídicas (Benjamim Silva Rodrigues, “A prescrição no direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, p. 263), a introdução de novas causas de interrupção ou de suspensão dos prazos de prescrição gera situações prejudiciais ou de des- vantagem para os sujeitos passivos daquela obrigação, potencialmente lesivas das expectativas legítimas que mantinham na conservação do concreto conteúdo de tais garantias. Porém, ao contrário do que defende a recorrente (fls. 400), não tem a norma extraída, pelo tribunal recorrido, dos preceitos em crise eficácia retroativa, mas tão-só retrospetiva. A recorrente argumenta que “não é pelo facto de o prazo de prescrição se encontrar a decorrer que se poderá deixar de considerar que ocorre, neste caso, uma questão de retroatividade autêntica. Na verdade, mesmo no âmbito de uma relação jurídica duradoura, que não se encontre ainda esgotada, existirá sempre retroatividade autêntica quando haja uma alteração do regime jurídico quanto ao efeito conexionado a factos que já ocorreram, v. g. , citação, execução, impugnação, etc., são para efeito do cômputo do prazo de prescrição, factos que têm aí um efeito instantâ- neo, o qual não pode deixar de ser regulado pela lei que estiver em vigor no momento em que os mesmos se verificam (...).” Apesar de impressiva, esta tese não vinga. Na verdade, a prescrição constitui uma causa de extinção da obrigação tributária de formação contínua, prevendo a lei que, no decurso desse período de formação, pos- sam ocorrer factos ou serem praticados atos suscetíveis de causar a sua interrupção. Talqualmente interpreta- dos pelo tribunal recorrido, os preceitos em crise aplicam-se a factos ocorridos após a sua entrada em vigor, ao abrigo das novas causas de interrupção dos prazos de prescrição neles previstas, muito embora tais prazos tenham começado a correr na vigência da lei antiga e ainda não tivessem terminado no momento em que se deu a cessação da sua vigência. Trata-se, portanto, de uma norma fiscal com natureza retrospetiva. Assumindo como corretos estes pressupostos, necessário se revela fazer passar o critério em causa pelos testes que reiteradamente o Tribunal Constitucional vem propondo nos casos que não se reconduzem, tout court, às situações de retroatividade expressamente proibida nos termos do artigo 103.º, n.º 3, da CRP. Nesses casos, recordando as palavras deste Tribunal no Acórdão n.º 128/09 (disponível em www.tribunal- constitucional.pt ), “saber se a norma é ou não inconstitucional (por violação da proteção da confiança) obriga a que se tenha em conta, e se pondere, tanto o contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado.” Assim, antes da entrada em vigor da LGT, valia em matéria de causas de interrupção e suspensão dos prazos de prescrição o disposto no artigo 34.º do Código de Processo Tributário:
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