TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De facto, o artigo 23.°, n.° 1, da Constituição reporta-se genericamente, por um lado, a queixas “por ações ou omissões dos poderes públicos”, sem mais, e, por outro lado, às recomendações do Provedor “necessárias para pre- venir e reparar injustiças”, também sem mais. Mas a isso acresce que o direito de queixa em apreço mais não é do que uma manifestação qualificada do direito de petição, o qual a Constituição genericamente reconhece – no seu artigo 52.°, n.° 1 – como o direito de os cidadãos apresentarem, aos órgãos de soberania ou “quaisquer autorida- des”, “petições, representações, reclamações ou queixas”, não só para “defesa dos seus direitos”, mas igualmente “da Constituição, das leis ou do interesse geral”. De resto, um tal entendimento da garantia de queixa ao Provedor de Justiça é o que está na linha da conceção logo de início reconhecida entre nós à Provedoria (antes mesmo da Constituição, e no Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de abril, que a criou), e depois confirmada pela Lei n.º 81/77, de 22 de novembro, que é o seu atual estatuto (cfr., em particular, artigo 22.º, n. os 1 e 2). É legítimo, pois, pensar que neste último diploma o legislador se limitou a explicitar o sentido constitucional da instituição». Conforme se pode constatar da leitura destes excertos, o objeto de controlo não foi propriamente a norma que estabelecia a exigência de que o direito de queixa ao Provedor de Justiça se limitasse às ações ou omissões das Forças Armadas de que resultasse a violação dos direitos, liberdades e garantias dos próprios militares queixosos ou prejuízos para estes, mas uma norma, atinente ao regime aplicável aos elementos da PSP (o artigo 69.º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, então em vigor), que remetia para esse preceito. Não obstante, não pode deixar de se reconhecer que, efetivamente, foi emitido por este Tribunal um juízo em relação a essa exigência, constante, na altura, do artigo 33.º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82), norma com um conteúdo prescritivo bastante similar ao do artigo 34.º, n.º 2, da atual Lei de Defesa Nacional. Esclarecido isto, cumpre averiguar se o entendimento então preconizado pelo Tribunal Constitucional deve ser mantido. 7.3. Pode, desde já, dizer-se que é inteiramente de renovar, por maioria de razão, o juízo emitido no Acórdão n.º 103/87. Na verdade, a norma do mencionado artigo 34.º, n.º 1, no segmento questionado, tem uma eficácia excludente de conteúdos do direito de queixa ao Provedor de Justiça que contraria, sem fundamento razoá- vel, o desenho constitucional desta instituição de controlo dos poderes públicos. De fora ficam a violação de direitos fundamentais do queixoso que não revistam a natureza de direitos, liberdades ou garantias, a violação de direitos, do mesmo titular, que não sejam direitos fundamentais, de quaisquer direitos de terceiros e a lesão de interesses, do queixoso ou de terceiros, não tutelados por direitos. Esta compressão do conteúdo do direito de queixa não se compagina com as indicações normativas fornecidas pelo artigo 23.º, n.º 1, da CRP, que se reporta genericamente a “ações ou omissões dos poderes públicos”, sem qualquer restrição, caracteri- zando ainda funcionalmente o direito de queixa como destinado a “prevenir ou remediar injustiças”. Se a conformação legal retira do direito de queixa dos militares a afetação de posições subjetivas que dele devem ser objeto, por imperativo constitucional, ignora completamente, a mais disso, a dimensão objetiva da atividade do Provedor de Justiça, a quem também compete emitir recomendações, ou desenvolver outras ações, até por iniciativa própria, que obstem ou ponham termos a ações ou omissões dos poderes públicos “que ofendam objetivamente a ordem constitucional e a legalidade democrática”, como se pode ler no Acór- dão n.º 103/87. Cabe-lhe genericamente assegurar, por meios informais, “a justiça e a legalidade do exercí- cio dos poderes públicos” como, em concretização dos “termos da Constituição”, refere o artigo 1.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril (Estatuto do Provedor de Justiça). E para isso, tanto pode tomar iniciativas próprias (artigos 4.º e 24.º, n.º 1, do mesmo diploma) como desenvolver ações em seguimento de queixas apresen- tadas pelos cidadãos (artigo 24.º, n.º 1). Nesta perspetiva institucional, nada justifica que estas se cinjam a matérias de interesse pessoal e direto do próprio queixoso. Deste ponto de vista, o regime do artigo 24.º,
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