TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
290 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constituição Política de 1933] e teleológicas dão-se pois as mãos para convencer que, quando o artigo 29.º, n.º 1, da atual CRP refere o princípio da legalidade à exigência de se não ser «sentenciado criminalmente», quer aplicá-lo tanto ao direito penal como ao direito processual penal, não obstante a limitação ao primeiro sugerida pelo restante texto legal”. E abona neste mesmo sentido o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual o processo penal assegu- ra todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Poder-se-á mesmo afirmar que “perturbações essenciais do direito de defesa permitem, em última análise, uma frustração do próprio nullum crimen sine lege . Esta exigência da lei incriminadora concretiza-se no Processo Penal pela possibilidade de o agente demonstrar que não praticou o crime que lhe é imputado. Se o não puder fazer devidamente, o nullum crimen sine lege será um artefacto que permitirá atribuir responsabilidade onde em concreto possa não ter existido qualquer crime” (Fernanda Palma, “Linhas estruturais da reforma penal – Problemas de aplicação da lei processual penal no tempo”, in O Direito , 2008, I, pp. 20 e segs.). O processo penal só assegurará plenamente as garantias de defesa através de lei estrita que conforme a posição processual do arguido e os seus direitos processuais, nomeadamente o direito ao recurso. As garantias de defesa só estarão plenamente asseguradas se, no momento relevante para o exercício do direito ao recur- so (o da notificação do acórdão condenatório em primeira instância), o destinatário da norma conhecer as condições do respetivo exercício com a segurança que o garanta contra a imprevisibilidade. Esta exigência impõe-se necessariamente quando o que está em causa é o acesso a um segundo grau de recurso, num orde- namento processual penal onde a irrecorribilidade das decisões constitui uma exceção (artigos 399.º e 400.º do CPP). 5. Vai também no sentido da extensão do princípio da legalidade ao processo penal, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, a jurisprudência constitucional em matéria de aplicação da lei processual penal no tempo. O Tribunal tem entendido que o princípio da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29.º, n.º 4, da CRP) não se restringe à aplicação da lei penal substantiva (entre outros, Acórdãos n. os 247/09 e 551/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt , e indicações doutrinais aí contidas). Como o direito ao recurso é uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido e as questões de constitucionalidade que importava apreciar tinham a ver com a sucessão no tempo de normas sobre a recorribilidade de decisões, um dos parâmetros de aferição da conformidade constitucional das normas em causa foi precisamente o artigo 29.º, n.º 4, da CRP. Há que salvaguardar o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável, de onde resulta que não deve aplicar-se a nova lei processual penal num processo pendente, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. 6. Segundo o acórdão recorrido, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade. Dispondo a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP que “não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade” (itálico aditado), é de concluir que a norma aplicada pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi , ultrapassa o sentido possível das palavras da lei, saindo “fora do âmbito da interpretação” (assim, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, loc. cit. , pp. 635 e segs. E no mesmo sentido, Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2011, comentário ao artigo 400.º, ponto 14). Constituindo a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP uma exceção ao princípio geral da recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei (artigo 399.º do mesmo Código), ao prever um caso de inadmissibilidade de recurso, deve o intérprete ater- -se ao texto “pena não privativa da liberdade”. Sendo certo que a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º é estranha à matéria da recorribilidade das decisões, inserindo-se antes na matéria atinente à repartição de competências
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=