TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

280 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modela- ção mantém-se no artigo 432.º do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ. Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objetivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma. Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é diretamente afastada pelo artigo 432.º, n.º 1, alínea c) , produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar. Basta pensar que, na leitura isolada, estreitamente literal, um acórdão proferido em recurso pela Relação, que aplicasse uma pena de trinta dias de prisão, não confirmando a decisão de um tribunal de Pequena Instância, seria recorrível para o STJ, contrariando de modo insuportável os princípios, a filosofia e a teleologia que estão pressu- postos na repartição da competência em razão da hierarquia definida na regra-base sobre a recorribilidade para o STJ do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP. A contradição e a assimetria normativa e a consequente aporia intrassistemática seriam, assim, tão patentes e tão intensas, que tornariam insuportável tal sentido. Impõe-se, por isso, um acrescido esforço de interpretação. Uma norma legal, contra o seu sentido literal mas de acordo com a teleologia imanente à lei, pode exigir uma limitação que não está contida no texto, acrescentando-se uma restrição que é requerida em conformidade com o sentido da norma. Pode suceder, com efeito, que uma norma, lida “demasiado amplamente segundo o seu sentido literal”, tenha de ser reconduzida e deva ser “reduzida ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão do sentido da lei”, procedendo às “diferenciações requeridas pela valoração” e “exigidas pelo sentido e finalidade da própria norma” e pela finalidade ou sentido “sempre que seja prevalecente” de outra norma, que de outro modo seria seriamente afetada, seja pela “natureza das coisas” ou “por um princípio imanente à lei prevale- cente num certo grupo de casos” (cfr., Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito , 2.ª edição, pp. 473-474). Nestes casos, deverá o intérprete operar a “redução teleológica” da norma. A redução ou correção respeitará também o princípio da proporcionalidade e serve o interesse preponderante da segurança jurídica. A perspetiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432.º, e especialmente do seu n.º 1, alínea e) , impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ. O recurso não é, assim, admissível – 432.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP (cfr., v. g., acór- dãos do STJ, de 7 de abril de 2008, proc. n.º 903/08; de 24 de abril de 2009, proc. n.º 329/05.1PTLRS.S1: de 13 de outubro de 2010, proc. n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1; de 16 de dezembro de 2010, proc. n.º 152/06.6GAPNC. C2.S1; e de 18 de maio de 2011, proc. n.º 37/09.4 PBVCD). Não há, assim, motivos para alterar a posição defendida neste Supremo Tribunal sobre a não admissibilidade do recurso em casos como o presente. 4. O recorrente suscita também a inconstitucionalidade do critério de interpretação utilizado na decisão sumá- ria – refere-se necessariamente à conjugação normativa dos artigos 432.º, n.º 1, alínea c) e 400.º, n.º 1, alínea f ) do CPP – que considera violador do princípio do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da CRP), e, outrossim, do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), por compressão dos direitos do arguido.

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