TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 645/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Entendendo, também, que, muito embora se aceite que o legislador possa fixar um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, preciso é que “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limi- tação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado”. Porquanto a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota naquela dimensão. Esta garantia, “conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios” (Acórdãos n. os 189/01 e 628/05. E, ainda, Acórdão n.º 64/06, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . É precisamente neste enquadramento da garantia constitucional do direito ao recurso em processo penal que surgem as alegações dos recorrentes. Aceitando que não é constitucionalmente imposto um segundo grau de grau de recurso, entendem que a norma cuja apreciação requerem viola o direito ao recurso, por este ser restringido em termos desproporcionados, irrazoáveis e iníquos. Para os recorrentes, a questão está, pois, em saber se, consagrado um terceiro grau de jurisdição, as limitações ao seu exercício respeitam ou não os princípios constitucionais que informam os direitos fundamentais e o processo penal. Antes, porém, põe-se a questão de saber se a interpretação normativa que é objeto deste recurso se contém, ainda, no sentido possível das palavras da lei ou se, ao invés, coloca o intérprete no domínio da analogia consti- tucionalmente proibida. Questão que se enquadra no âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal: está em causa a apreciação de uma norma que é, por isso mesmo, suscetível de controlo por parte do Tribunal (assim, Acórdão n.º 183/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ); o Tribunal pode julgar inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada (artigo 79.º-C da LTC). 3. O artigo 29.º, n. os 1 e 3, da CRP submete a intervenção penal ao princípio da legalidade, no sentido preciso de que não pode haver crime nem pena ou medida de segurança que não resultem de lei prévia, es- crita, certa e estrita, estando, consequentemente, proibido o recurso à analogia. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/08 conclui-se relativamente a este princípio constitu- cional, com relevo para a questão de constitucionalidade a decidir, que: «Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma “garantia dos cidadãos”, uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias relevando, assim, toda a carga axiológico- -normativa que lhe está subjacente. Uma carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do Antigo Regime e nos Estados totali- tários do século XX (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral , I, p. 178). Nos Estados de direito democráticos, o Direito penal apresenta uma série de limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras “entorses” à eficácia do sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da legalidade ( nullum crimen sine lege certa ). Estes princípios e direitos parecem não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justi- ficam o poder punitivo. Não se pense pois que estamos perante um princípio axiologicamente neutro ou de uma fria indiferença ética, que não seja portador de qualquer valor substancial. O facto de o princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção “axiológica” de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.

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