TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
27 acórdão n.º 404/12 de comando que estrutura a instituição militar. A possibilidade de o queixoso apelar, de imediato, para uma instância externa de controlo, desprezando as vias em aberto de solução dentro e pela própria instituição, representaria um desnecessário apoucamento e desconsideração do papel da hierarquia por alguém que a ela está sujeito, contrários a um princípio organizacional funcionalmente imprescindível. Para salvaguarda desse princípio, só deve comprometer as Forças Armadas, perante o órgão constitucio- nal de controlo que é o Provedor de Justiça, uma decisão que tenha sido abonada ou ratificada pelas chefias, em termos de ser considerada definitiva. Por outras palavras, quem está em posição de comando, dentro das Forças Armadas, só deve ser interpelado a alterar, por recomendação do Provedor de Justiça, uma decisão tomada na instituição que dirige, se previamente tiver tido oportunidade de exercitar essa posição. Dada a reforçada e muito peculiar posição de autoridade que detém o titular de comando na instituição militar, faz sentido e é razoável que ele não possa estar sujeito a receber, de fora da instituição, recomendações de alteração de uma decisão (o objeto de queixa) tomada por um subalterno e que tenha ficado subtraída, por iniciativa do militar queixoso, à sua esfera de controlo. Nessa linha se compreende o disposto no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 19/95, para a hipótese de inexistência de recurso hierárquico ou de esgotamento do prazo para a sua interposição. 6.7. E a solução respeita todos os parâmetros em que se desdobra o princípio da proporcionalidade. Sendo idónea à preservação da hierarquia de comando e de disciplina das Forças Armadas, uma vez que garante a sua atuação, ela revela-se igualmente necessária à consecução daquele objetivo. O requerente contesta esta avaliação, com base em que, «por imperativo legal, o Provedor de Justiça ouve sempre as entidades visadas – no caso as entidades responsáveis pelas Forças Armadas –, antes de tomar qual- quer iniciativa por motivo de ação ou omissão praticadas pelos referidos poderes públicos ou por quaisquer outros». Este dever de audição prévia, constante do Estatuto do Provedor de Justiça (artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril), seria o bastante para satisfazer «a legítima preocupação de que qualquer assunto que esteja a ser apreciado, discutido ou tratado referente à instituição Forças Armadas seja do conhecimento desta (…)». Simplesmente, uma tal visão desfoca o objetivo a atingir, que não consiste na garantia de conhecimento do assunto objeto de queixa, mas o de obstar a que o exercício deste direito se sobreponha ao funcionamento das vias internas de impugnação de uma decisão. Nem, contrariamente ao defendido, seria “igualmente eficaz” na concretização do objetivo real da solu- ção questionada – o da preservação da hierarquia de comando das Forças Armadas – a solução alvitrada, no pedido, como alternativa, de imputação ao militar queixoso do «ónus de dar conhecimento da queixa apre- sentada ao Provedor de Justiça – e do respetivo teor – simultaneamente aos órgãos competentes das Forças Armadas», acompanhada do dever «de não divulgação pública do conteúdo da queixa e do próprio ato de apresentação da queixa». Ainda que menos distante do exigível, por vincular o próprio militar queixoso a uma iniciativa que tem em conta a hierarquia, esta solução não assegura verdadeiramente o respeito pelos valores da disciplina militar. Do ponto de vista valorativamente relevante, uma coisa é os órgãos competentes das Forças Armadas serem confrontados com uma impugnação a uma decisão, em resultado do funcionamento dos mecanismos internos de recurso que interpelam diretamente (e responsabilizam) os escalões mais elevados da hierarquia, outra, bem diferente, é terem conhecimento de uma queixa, num momento posterior à sua apresentação a uma entidade exterior à instituição. No primeiro caso, as regras funcionais do sistema de comando são postas a atuar, em plena normalidade institucional; no segundo, elas são colocadas de lado. Por último, é de entender que a exigência de prévio esgotamento das vias hierárquicas de recurso não afeta o direito de queixa para além da justa medida. Tendo em conta o elevado valor constitucional do bem protegido e, sobretudo, os muito diminutos grau e intensidade do sacrifício causado ao direito de queixa – um direito, à partida, juridicamente determinado e, por isso, mais acessível a conformações limitativas do que os direitos de liberdade mais ou menos materialmente determinados (cfr. Reis Novais, ob. cit ., pp. 163 e segs.) −, pode bem sustentar-se que o custo a suportar, no âmbito normativo deste direito, está em relação
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