TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E são múltiplas as decisões em que o Tribunal Constitucional relevou as exigências próprias da institui- ção militar, como causa legítima de restrições aos direitos fundamentais. Assim, por exemplo, no recente Acórdão n.º 229/12, sobre o Regulamento de Disciplina Militar, foi destacado que é necessário ponderar o equilíbrio entre o “superior interesse da disciplina e da hierarquia militar” e os direitos dos militares individualmente considerados, acentuando-se que a instituição militar é uma «instituição onde a hierarquia e a disciplina assumem, em nome do superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas, uma importância sem paralelo na generalidade dos do- mínios da Administração Pública». Já anteriormente, o Acórdão n.º 662/99, não contestando que os “funcionários públicos militares” integram o conceito mais amplo de “funcionários públicos”, reconheceu que há uma diversidade de regimes da administração pública civil e da administração pública militar, com as inerentes diversidades estatutárias (ainda que estas diversidades tenham sido consideradas, no caso, insuficientes para fundamentar um trata- mento não igualitário). Essa singularidade não deixou, aliás, de ser reconhecida pelo requerente, ao caracterizar as Forças Arma das como uma «instituição marcada por uma estrutura hierarquizada de comando, direção e disciplina (prin- cípio que justificará igualmente o tipo de restrições a que alude o artigo 270.º da Constituição (…)». É certo que se pode distinguir «o campo da hierarquia estritamente militar – de postos e funções de comando e direção – do da hierarquia funcional-administrativa» (assim, Jorge Miranda, in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 493). Sem dúvida alguma que são diferentes as exigências de restrição aos direitos fundamentais que decorrem de cada um desses pla- nos. E de tal modo o são que, no que concerne o direito de queixa, não é contestada a proibição, constante do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/95, de 13 de julho, de ela versar sobre matéria operacional ou classificada. Simplesmente, o menor grau de atendimento a um princípio hierárquico de comando, na esfera pro- priamente administrativa, não vai ao ponto de justificar, nesse âmbito, o tratamento absolutamente igua- litário do militar e de qualquer outro funcionário. Sendo necessariamente unas a estrutura organizativa e a cadeia de comando, e uno o estatuto militar, as esferas de atuação operacional e administrativa não são inteiramente autonomizáveis entre si, de modo a que se pudesse sustentar a indiferença de cada uma às vicis- situdes que a outra sofre. Há interferências recíprocas evidentes, pelo que a eficácia de comando operacional sofreria afetações desvantajosas se, na esfera administrativa, o militar gozasse, sem restrições, de prerrogativas idênticas ao de qualquer trabalhador público. 6.6. Mas não basta apurar que exigências próprias da instituição militar justificam que os que nela estão integrados se rejam por um estatuto específico, com deveres de comportamento e limitações de direitos a que não está sujeita a generalidade dos cidadãos. Cumpre, mais concretamente, apreciar se a condição militar fornece ou não uma razão suficiente para o particular regime de exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça, constante das normas cuja constitucionalidade vem impugnada. Neste quadrante valorativo, assume realce, como elemento de ponderação, a ideia de que uma estrutura, como a das Forças Armadas, que tem no princípio de comando, segundo regras estritas de disciplina e de sujeição a ordens, segundo uma rígida escala hierárquica, a essência do seu modo organizativo e de funcio- namento, é particularmente refratária a intromissões externas que se possam sobrepor, sem mais, e ainda que a título de “recomendações”, ao exercício dos poderes de condução da vida institucional que internamente competem à cadeia hierárquica. Contrariamente ao que se pode ler no pedido, não é um “objetivo de or- dem prática” o que está subjacente à regulamentação em apreço. É antes a intenção de preservar, dentro do admissível (isto é, sem lesão excessiva dos interesses dos cidadãos em funções militares) a “administração autónoma” da instituição “Forças Armadas”, segundo o princípio de comando que lhe é próprio. Deste ponto de vista, constitucionalmente credenciado, justifica-se que, quando um militar ponha em causa uma decisão que o afete, não se conformando com ela, sejam chamados a pronunciar-se, em primeira linha, os detentores do poder de reapreciação e eventual revisão dessa decisão, dentro da cadeia hierárquica
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=