TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

25 acórdão n.º 404/12 privados do direito de queixa ao Provedor de Justiça, o qual se mantém incólume e exercitável, com o conteúdo que constitucional e legalmente lhe cabe, apesar da imposta exaustão prévia das vias hierárquicas de recurso. 6.4. Dando por assente esta conclusão, não pode, todavia, esquecer-se que esta imposição legal repre- senta uma interferência desvantajosa num direito que, prima facie , admitiria qualquer forma de exercício e uma disponibilidade incondicionada. Na verdade – frisa-se, de novo – com a solução de prévio esgotamento das vias de recurso, a regulação em apreço conduz a que o titular do direito de queixa perca possibilidades de ação que de outro modo teria, dentro do âmbito de proteção do artigo 23.º (o exercício imediato, em exclusivo ou em simultâneo com o recurso hierárquico, das faculdades contidas nesse direito). Consequência que obriga a equacionar a legitimidade desta eficácia indiscutivelmente limitadora, ainda que somente no plano do tempo e do modo de exercício. Há que deixar em claro, antes de mais, que a falta de previsão expressa, no programa normativo do artigo 23.º, de autorização para uma intervenção restritiva do legislador não obsta, só por si, à conformida- de constitucional da solução, mesmo que se lhe atribua uma tal designação. Como acentua Reis Novais, «a consagração constitucional de um direito fundamental sem a simultânea previsão da possibilidade da sua res- trição não constitui qualquer indicação definitiva sobre a sua limitabilidade» – As restrições aos direitos funda- mentais não expressamente autorizadas pela Constituição , Coimbra, 2003, p. 569. De facto, em superação do teor literal do requisito fixado na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 18.º, para as restrições aos direitos, liberdades e garantias, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, ainda que através de construções dogmáticas não coincidentes, restrições não expressamente autorizadas pela Constituição. Independentemente da termino- logia (variável) utilizada, trata-se de limites não escritos, como limites a posteriori , tornados necessários pela exigência de salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente garantidos (cfr. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição , 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 1277). Há, mesmo, quem apon- te uma “reserva geral imanente de ponderação” (Reis Novais, ob. cit ., pp. 569 e segs.), como fundamentação e via de acesso a limites não expressamente autorizados. É deste ponto de vista, o da necessidade de harmonização e compatibilização dos direitos fundamentais, não só entre si (colisão de direitos), como com a tutela de outros bens jurídicos a que o Estado está também constitucionalmente vinculado, que pode ser obtida uma resposta definitiva quanto à admissibilidade de limites não expressos, quer a questão se coloque, em concreto, ao nível da solução judicial de colisões ou conflitos, quer se coloque ao nível das intervenções legislativas que, em abstrato, procuram realizar a men- cionada harmonização. Na formulação desse juízo, há que apreciar se a medida com alcance, de algum modo, restritivo tem por fundamento a tutela de um bem jurídico constitucionalmente credenciado e, em caso afirmativo, se a inter- venção que persegue esse fim se contém ou não dentro de limites que assegurem a sua proporcionalidade. 6.5. Quanto ao primeiro pressuposto, não é difícil identificar o bem jurídico-constitucional onde mer- gulham raízes as valorações justificativas do regime em apreço. Trata-se da “defesa nacional”, que é obrigação do Estado assegurar (artigo 273.º da CRP), o que faz através das Forças Armadas (artigo 275.º). Estando em causa a “segurança existencial do Estado”, ninguém contestará que esta é, em princípio, “um bem legitimador de importantes restrições aos direitos fundamentais” (cfr. Gomes Canotilho, ob. cit ., p. 1272). Para cumprimento cabal da sua tarefa de defesa nacional, a instituição militar tem uma estrutura organi- zativa que obedece a características muito próprias, salientadas no referido Acórdão n.º 103/87, nestes termos: «Ora, como notas características da instituição militar avultam, decerto, as seguintes: – o estrito enquadra- mento hierárquico dos seus membros, segundo uma ordem rigorosa de patentes e postos; correspondentemente, a subordinação da atividade da instituição (e, portanto, da atuação individualizada de cada um dos seus membros), não ao princípio geral de direção e chefia comum à generalidade dos serviços públicos, mas a um peculiar princípio de comando em cadeia, implicando em especial dever de obediência, (…)».

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