TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.2. Não se opondo a regra do artigo 23.º, n.º 2, da CRP à conformidade constitucional do regime em apreço, há que passar a apreciá-la à luz dos princípios constitucionais pertinentes. Uma primeira questão que, neste quadro, se pode suscitar é a da qualificação precisa da solução legal do prévio esgotamento das vias hierárquicas em confronto com o direito de queixa ao Provedor de Justiça constitucionalmente reconhecido. No Acórdão n.º 103/87 acima citado, o Tribunal propendeu para a tese de que não havia verdadeira- mente uma restrição a este direito, mas tão-só uma “regulamentação” do seu exercício. Em justificação desse entendimento, discorreu o Tribunal do seguinte modo: «Com efeito, a faculdade de os membros da PSP se queixarem ao Provedor de Justiça de “ações ou omissões dos poderes público” responsáveis por essa Polícia não é afetada no seu conteúdo substantivo, não é reduzida ou ampu- tada de qualquer das suas dimensões; por outro lado, tão-pouco é posta em causa a faculdade de, em resultado da apreciação das queixas que lhe vierem a ser apresentadas, o Provedor de Justiça “dirigir aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças” (cfr. o artigo 23.º, n.º 1, da CRP). O que se faz é simplesmente “condicionar” o exercício do direito de queixa a um determinado pressuposto com a consequência de que as eventuais recomendações do Provedor de Justiça só poderão ser dirigidas à entidade que se situa no vértice da hierarquia da Polícia, e nunca a quaisquer escalões intermédios da mesma hierarquia». E, na verdade, não há dúvida de que a exigência de esgotamento prévio das vias hierárquicas legalmen- te previstas é uma intervenção legislativa que não provoca qualquer efeito ablativo do conteúdo de tutela constante no âmbito normativo do artigo 23.º da CRP, nem qualquer efeito obstativo do acesso individual ao bem por ele protegido. Compreender-se-á, nessa medida, que o conceito de “condicionamento” pudesse ter sido visto como o mais adequado a traduzir o alcance da solução e a sua projeção sobre o exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça. Mas não é menos verdade que estamos perante uma regulação do direito de queixa ao Provedor de Justi- ça a qual, e m tutela de um interesse alheio ao dos titulares desse direito, prescreve vinculativamente um modo de exercício de que resulta, para uma certa categoria de cidadãos, uma dificultação ou, pelo menos, uma certa postergação temporal, do acesso ao bem protegido. Impondo o recurso prioritário às vias hierárquicas legal- mente previstas, o legislador veda uma opção livre do interessado quanto à iniciativa a tomar ou a utilização daquele instrumento de tutela simultaneamente com o exercício do direito de queixa. Nessa medida, não custa admitir que essa regulação, não comprimindo o conteúdo de tal direito, afeta, todavia, desvantajosa- mente, por razões que nada têm a ver com imperativos de conformação organizativa ou de exequibilidade prática, a ativação, por parte dos militares ou agentes militarizados, da posição jusfundamental que, prima facie , lhes advém do artigo 23.º da CRP. É quanto basta para que não se dispense aqui a aplicabilidade dos parâmetros próprios do Estado de direito, com as ponderações valorativas a que ela dá lugar, em particular no quadro do princípio da propor- cionalidade. Admitindo as categorias de “condicionamento” e “restrição”, em si mesmas de contornos flui- dos, múltiplas configurações intermédias e gradações tipologicamente aproximativas, de mais ou de menos, uma qualificação conceptual, para além de se prestar sempre a controvérsia, não pode resolver concludente- mente questões de regime de uma intervenção normativa deste tipo. 6.3. Seguindo essa metódica de fundamentação, pode, desde já, ser liminarmente rejeitada uma argui- ção do requerente, à luz do que ficou dito, sem necessidade de mais considerações. Referimo-nos ao invocado desrespeito pelo núcleo ou conteúdo essencial do direito de queixa ao Prove- dor de Justiça, argumentando-se que a utilidade desse direito resulta “praticamente aniquilada”. Como vimos, a solução legal não comporta qualquer amputação de uma dimensão do conteúdo do direito de queixa, de natureza essencial ou não. Como reconhece o requerente [“No caso de que nos ocupamos, se é certo que os militares não deixam de poder queixar-se ao Provedor de Justiça (…)”], os militares não se viram
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