TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL orientado para a defesa. Um processo penal que, nessa medida, longe de dever ser neutro, encontra nos direitos do arguido um limite inultrapassável a respeitar na conformação infraconstitucional do respetivo regime e, designadamente também do regime legal dos recursos. É, portanto, à luz das garantias de defesa do arguido, e não de qualquer pretensão de igualdade a estabelecer entre os diversos sujeitos do processo (que em processo penal não tem de existir), que a interpretação normativa submetida à fiscalização de cons- titucionalidade deve ser analisada. Determinante será, assim, perceber se a solução normativa em apreciação permite o exercício de todas as garantias de defesa pelo arguido, designadamente do seu direito ao recurso. 3. O artigo 32.º, n.º 1, assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, designadamente da decisão condenatória. O exercício deste direito não se mostra, porém, compatível com a admissão do direito de recurso pelo assistente de decisão absolutória proferida pela Relação. Com efeito, admitir um tal direito ao assistente implica aceitar a eventualidade de o arguido ser condenado pelo Supre- mo sem que lhe seja facultada a possibilidade de recorrer dessa condenação e, nessa medida, sem garantia de defesa. Na verdade, o direito do arguido ao recurso da sua condenação não se basta com a sua intervenção no recurso interposto pelo assistente da sua absolvição. No momento em que o arguido responde ao recurso não são conhecidos os fundamentos da (futura e hipotética) condenação. Uma decisão condenatória profe- rida pela instância de recurso em revogação de absolvição anteriormente proferida, tendo embora por base o mesmo objeto da decisão recorrida, integra conhecimento de matéria que excede o âmbito da anterior apreciação, designadamente todo o processo decisório referente à escolha e determinação da medida da pena (artigos 368.º, 369.º e 371.º do CPP). Só a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (artigo 375.º do CPP). Por conseguinte, não é pelo mero exercício do contraditório no recurso interposto pelo assistente da absolvição do arguido, que este necessariamente tem oportunidade de contrariar os fundamentos da decisão que poderá vir a condená-lo. E sendo assim, diante da inevitável limitação das instâncias de recurso, imperioso será concluir que a concessão ao assistente do di- reito de recorrer da decisão que, em 2.ª instância, e em revogação da condenação proferida em 1.ª instância, absolve o arguido, não se compadece com o exercício de todas garantias de defesa, designadamente do direito ao recurso assegurado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 4. A necessidade de alcançar a estabilidade das decisões judiciais impõe a limitação das instâncias de re- curso. Em processo penal, por imposição da Constituição, aquela limitação não pode resolver-se em desfavor das garantias de defesa do arguido. Ora é precisamente neste ponto que a norma em apreciação se apresenta como desconforme à Constituição. Na verdade, a solução normativa que admite o recurso do assistente de absolvição do arguido proferida em 2.ª instância resolve, em desfavor do arguido, a limitação das instâncias de recurso. Um desfavor que se instala, independentemente do não reconhecimento ao arguido do direito de recorrer na situação simetricamente oposta. Isto é, mesmo acautelado ao arguido o direito de recurso de acórdão condenatório em pena não privativa da liberdade proferido pelo Tribunal da Relação, em revogação de absolvição da primeira instância (o que, de acordo com o que vem de explanar-se constitui também solu- ção imposta pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP), a admissão do recurso do assistente na situação em apreciação continuaria a trazer em si implicada a violação da Constituição, por comprometimento das garantias de de- fesa do arguido, designadamente do direito a recorrer da sua condenação (direito igualmente garantido pelo artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos nos casos em que a condenação é imposta por um tribunal de recurso, após absolvição em 1.ª instância – cfr. Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, General Comment n.º 32 , Article 14, CCPR/C/GC/32, 23 de agosto de 2002). 5. Em conformidade, votei a declaração de inconstitucionalidade da norma dos artigos 399.º e 400.º do CPP, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo assistente, do acórdão do Tribunal de Relação, proferido em recurso, que absolva o arguido por determinado crime e que, assim, revogue a condenação do mesmo na 1.ª instância numa pena não privativa da liberdade, não por violação do princípio da igualdade, mas por uma tal solução normativa trazer em si implicada a violação das garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso enquan- to garantia constitucional de defesa prevista no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. – Maria de Fátima Mata-Mouros
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