TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

221 acórdão n.º 540/12 respeito disse o Tribunal (e para recordar apenas uma referência recente) no Acórdão n.º 496/10: “[n]ada impede que uma norma se conceba como estabelecendo um direito subjetivo fundamental e ao mesmo tem- po uma garantia objetiva, para usar a expressão do Tribunal Constitucional Federal Alemão (…) As normas de direitos fundamentais não contêm apenas direitos subjetivos de defesa de cada sujeito frente ao Esta- do. Incorporam simultaneamente uma ordem objetiva de valores que, como decisão fundamental jurídico- -constitucional, rege em todos os campos do Direito e dá diretrizes e impulsos à legislação, administração e jurisprudência”. As normas constantes do artigo 32.º da CRP, sobre as garantias de processo criminal, não escapam a esta dupla dimensão. O que significa que, objetivamente, consagram escolhas fundamentais da ordem cons- titucional que, conformando todas as normas de processo penal, se estendem também, e evidentemente, ao próprio sistema de recursos. Segundo creio, é perante as vinculações objetivas a que está sujeito o nosso sistema de recursos em proces- so penal que deve ser julgada a “norma” em discussão. Uma ordem processual penal que seja axiologicamente orientada pelos princípios que decorrem dos n. os 1 e 2 do artigo 32.º da CRP não pode conter um “sistema” de recursos do qual resulte o seguinte: o Estado “investe” menos (no sentido lato do termo “investir”) na con- firmação de uma condenação do que na sua infirmação, já que apressa o trânsito em julgado de uma sentença condenatória (por impedir que dela se interponha recurso), ao mesmo tempo que difere o trânsito em julgado de uma sentença absolutória (por permitir que a “acusação” dela interponha recurso). Não faz sentido que uma ordem que seja objetivamente orientada pelos princípios das garantias de defesa do arguido e da presunção da sua inocência contenha um sistema de recursos que, pelo seu desenho positivo, chegue a tal resultado. Continuo a pensar – como o pensou o Tribunal no Acórdão n.º 546/11 – que esta ausência de senti- do do sistema não implica “arbítrio legislativo”, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ou violação as garantias de defesa do arguido, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º Como então se disse, não está em causa nem uma coisa nem outra: não me parece que o juiz constitucional possa censurar este modelo de recursos por razões atinentes à violação das posições jurídico-subjetivas do arguido, constitucionalmente tuteladas, ou por desigualdade arbitrária na relação que se estabelece entre as posições jurídico-subjetivas das “partes” num processo que, como então se disse, não é constitucionalmente configurado como um “processo de partes”. O que está em causa é a legitimidade objetiva do poder punitivo do Estado, quando o seu sistema de recursos em processo penal se apresenta desenhado de tal forma que conduz a resultados que contrariam os valores decorrentes do artigo 32.º da Constituição. Foi por não ter tido em necessária linha de conta esta dimensão objetiva do problema que me orientei, no Acórdão n.º 546/11, pelo juízo de não inconstitucionalidade. Revejo assim, com este sentido – que vejo refletido na fundamentação da presente decisão, na medida em que nela se invoca o princípio da igualdade enquanto refração dos valores da chamada “constituição processual penal” –, a posição que anteriormente assumi. – Maria Lúcia Amaral DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, não os seus fundamentos. 1. Cumpre apreciar a conformidade constitucional dos artigos 399.º e 400.º do CPP, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretados no sentido de que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolva o arguido por determinado crime e que, assim, revogue a condenação do mesmo na 1.ª instância numa pena não privativa da liberdade. 2. A Constituição assume o direito ao recurso do arguido como integrando o núcleo essencial das suas garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Deste preceito decorre a consagração de um processo penal

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