TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (…) Trata-se, assim, de uma limitação dos direitos do falido consentida pelo citado artigo 47.º, n.º 1, da CRP, não sendo arbitrária nem desproporcionada.» As considerações transcritas são transponíveis, mutatis mutandis , para a apreciação da norma que cons- titui objeto do presente recurso. Na verdade, a obrigatoriedade de o tribunal, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, determinar que o administrador da sociedade insolvente, declarado afetado pela qualificação, fique inibido para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de determina- dos cargos, não constitui uma restrição inconstitucional à liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). De igual modo, não restringe tal medida, de modo constitucionalmente inadmissível, o direito à inicia- tiva privada ou o direito à propriedade, considerando, quanto a este último, a componente de usar e fruir dos bens de que se é proprietário, nomeadamente destinando-os ao exercício do comércio. De facto, a norma em apreciação, sendo suscetível de afetar tais direitos, justifica-se pela necessidade de garantir a “defesa geral da credibilidade da vida comercial” (cfr. J. de Oliveira Ascensão, “Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXVI, 1995, p. 327), assegurando que o exercício do comércio e de determinados cargos de direção e gestão de operadores económicos fique excluído, temporariamente, do âmbito de ação daqueles sobre quem recaiu o juízo de culpa associado à qualificação da insolvência. Constituindo a aludida defesa da credibilidade da vida comercial e, em geral, os interesses do comércio e da segurança geral do tráfico jurídico, uma dimensão necessária à garantia do funcionamento eficiente dos mercados – incumbência prioritária do Estado, no âmbito económico e social, nos termos da alínea f ) do artigo 81.º da Lei Fundamental – teremos de concluir que encontrada está a razão material, radicada no interesse coletivo ou geral e que corresponde a um interesse constitucionalmente protegido, que legitima a compressão dos direitos a que aludimos. Por outro lado, mostra-se a norma em análise apropriada a cumprir o objetivo que a justifica, necessária por, no juízo de evidência que cabe ao Tribunal Constitucional, não ser manifesta a existência de outro meio alternativo menos gravoso igualmente adequado para assegurar a garantia geral da fluência do tráfego, e equilibrada, correspondendo à justa medida resultante da ponderação do peso relativo das vantagens obtidas com a opção legislativa para os fins prosseguidos, quando comparado com o sacrifício imposto a cada um dos concretos bens jurídicos constitucionais que tal opção afeta. 8. O que acaba de se explanar é reforçado pela argumentação expendida no Acórdão n.º 173/09 (dispo- nível no mesmo sítio da internet ) que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material do artigo 189.º, n.º 2, alínea b) , do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redação do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insol- vente. Em tal Acórdão, o Tribunal Constitucional reporta-se à norma aqui em apreciação, extraída da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito, como protetora dos “interesses gerais do tráfico, designadamente mercantil”. Resulta da exposição argumentativa plasmada no mencionado aresto, não a possibilidade de transposição do juízo de inconstitucionalidade reportado à alínea b) , na anterior redação, para a alínea c) , aqui em análise – como pretende a recorrente – mas, ao invés, a ideia de que a existência da proibição plasmada nesta alínea c) é suficiente para a proteção do bem constitucionalmente valioso que interessa proteger, tornando a medida prevista na aludida alínea b) – para quem admita que a inabilitação é instrumento idóneo a servir interesses gerais do tráfico, nomeadamente mercantil – ou, pelo menos, a sua aplicação cumulativa, desnecessária e, por isso, violadora do princípio da proporcionalidade.
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