TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – A mencionada utilidade do direito de queixa ao Provedor de Justiça, enquanto garantia alternativa aos meios de impugnação, graciosa ou contenciosa, é, no caso dos militares que pretendam apresen- tar reclamações relativamente a ações ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas, praticamente aniquilada com a previsão da questionada restrição. – O conteúdo do direito de queixa ao Provedor de Justiça, na parte em que é posto em causa pelas normas objeto desta iniciativa de fiscalização da constitucionalidade, não é sequer deixado para delimitação pela lei ordinária, resultando direta e inequivocamente da norma consignada no n.º 2 do artigo 23.º da Constituição, sem margem para conformação legislativa em sentido não coin- cidente. Nesta perspetiva, a restrição em causa é violadora não só da garantia associada ao direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça, como da garantia que se traduz na atividade insti- tucional do Provedor de Justiça, tal como configurada desde logo pela Constituição (artigo 23.º, n.º 2). – Admitindo que os militares não deixam de poder queixar-se ao Provedor de Justiça, a verdade é que a restrição a que estão sujeitos quanto ao exercício desse direito retira, na prática, a verdadeira mais-valia que representa, na arquitetura global da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual a atividade do Provedor de Justiça é independente dos meios de impugnação administrativos e judiciais e, nessa medida, caracterizada pela informalidade e celeridade. – Conclui-se que as questionadas normas da Lei de Defesa Nacional e da Lei n.º 19/95, que estabe- lecem a obrigatoriedade da prévia exaustão das vias hierárquicas previstas na lei para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares, violam o artigo 23.º, n. os 1 e 2, da Cons- tituição, referente ao órgão Provedor de Justiça e o artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Lei Fundamental, que estabelece o regime substantivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias. Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade da solução legal que limita a possibilidade de apre- sentação de queixas ao Provedor de Justiça por motivo de ações ou omissões das Forças Armadas de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias dos próprios militares queixosos ou prejuízos para estes, os fundamentos do pedido são, em suma, os seguintes: – As normas em causa parecem exigir que o militar que apresenta a queixa tenha um interesse pessoal e direto na resolução da questão que a motiva. Questão idêntica foi igualmente tratada no Acórdão n.º 103/87, no qual se decidiu não ser constitucionalmente admissível a exclusão da possibilidade de apresentação, no caso pelo pessoal da PSP, de queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omis- sões dos poderes públicos (responsáveis pela PSP) violadoras de direitos de terceiros ou causadoras de prejuízos a estes, bem como ofensivas, em termos objetivos, da ordem constitucional e da lega- lidade democrática. – Mais se afirmou neste Acórdão que a garantia de queixa ao Provedor de Justiça assume já, ao nível constitucional, um alcance, não apenas subjetivo, mas também justamente objetivo, que não se compagina com a sua limitação à única finalidade da defesa dos direitos ou da reparação de prejuí- zos do queixoso. – O direito de queixa em apreço mais não é do que uma manifestação qualificada do direito de peti- ção, o qual a Constituição genericamente reconhece (artigo 52.º, n.º 1) como direito de os cida- dãos apresentarem, aos órgãos de soberania ou «quaisquer autoridades», «petições, representações, reclamações ou queixas», não só para defesa dos seus direitos», mas igualmente «da Constituição, das leis ou do interesse geral». – Ligando as duas questões envolvidas no pedido de fiscalização, sublinha-se que precisamente uma das dimensões do princípio constitucional da independência da atividade do Provedor de Justiça dos meios de recurso administrativos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis, tal como resulta do artigo 23.º, n.º 2, do texto constitucional, é a independência da existência de um inte- resse direto, pessoal e legítimo da parte de quem apresenta a queixa. Na verdade, exigir ao queixoso
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