TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

19 acórdão n.º 404/12 – Antes de tudo, ela não encontra arrimo no artigo 270.º da Constituição, que consagra um elenco taxativo de direitos cujo exercício por parte designadamente dos militares é suscetível de ser objeto de eventuais restrições, a regular por lei, e que não abarca o direito de queixa ao Provedor de Jus- tiça. Pelo que a restrição decorrente da imposição do esgotamento dos recursos hierárquicos para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares não é expressamente auto- rizada pela Lei Fundamental. Deste modo, a análise da sua eventual admissibilidade passará pela verificação da necessidade de conjugação do direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça com eventuais princípios, objetivos ou valores constitucionais que com aquele possam contender, com vista à sua harmonização. – Partindo do pressuposto de que a restrição em causa foi estabelecida pelo legislador ordinário para permitir a compatibilização de diferentes bens com relevância constitucional – por um lado, o direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça, por outro o princípio constitucional rela- cionado com o especial estatuto dos militares, inseridos que estão no âmbito de uma instituição marcada por uma estrutura hierarquizada de comando, direção e disciplina (princípio que justifi- cará igualmente o tipo de restrições a que alude o artigo 270.º da Constituição), ainda assim, não passará tal restrição o crivo dos critérios constitucionais para a sua legítima admissão impostos pelo artigo 18.º da Lei Fundamental. – Desde logo não se revelará tal restrição necessária a garantir o referido desiderato. Por imperativo legal, o Provedor de Justiça ouve sempre as entidades visadas – no caso, as entidades responsáveis pelas Forças Armadas –, antes de tomar qualquer iniciativa por motivo de ação ou omissão pratica- das pelos referidos poderes públicos, ou por quaisquer outros. Assim sendo, a legítima preocupação de que qualquer assunto que esteja a ser apreciado, discutido ou tratado referente à instituição Forças Armadas seja do conhecimento desta, alcança-se com esta simples regra geral de atuação do Provedor de Justiça. – Tão pouco a medida legal contestada no presente requerimento passa o teste da proporcionalidade. Para se alcançarem os objetivos implícitos na legislação aqui contestada bastaria, tão só, por exem- plo, que ao militar queixoso fosse imputado o ónus de dar conhecimento da queixa apresentada ao Provedor de Justiça – e do respetivo teor – simultaneamente aos órgãos competentes das Forças Armadas. Uma solução do tipo da enunciada – ajudada, para retomar uma ideia anterior, pela imposição de um limite de não divulgação pública do conteúdo da queixa e do próprio ato de apre- sentação de queixa – seria igualmente eficaz na concretização do objetivo da preservação da hierar- quia de comando e disciplina das Forças Armadas, ao mesmo tempo tendo a virtude de não limitar o exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça à verificação de uma condição diretamente relacionada com a necessidade­de utilização prévia de meios de impugnação, neste caso graciosos, que é precisamente o que a Constituição pretende evitar com o teor da norma do seu artigo 23.º, n.º 2. – Finalmente, a referida legislação não é adequada a garantir o fim pela mesma visado, por dois motivos: porque o Provedor de Justiça pode utilizar a prerrogativa da iniciativa própria para o tra- tamento de situações decorrentes de atuações dos poderes públicos (nos quais se incluem natural- mente os poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas); e porque o Provedor de Justiça pode – e fá-lo na prática – tratar situações que caem no âmbito de aplicação da Lei n.º 19/95, motivadas por queixas subscritas por familiares ou amigos do militar que pretende queixar-se, mas que, por motivo da legislação em vigor, não assume ele próprio a autoria da queixa, antes é representado para esse efeito por cidadãos civis. – Ainda que se entendesse que os pressupostos materiais de legitimidade das leis restritivas se encon- trariam cumpridos, nunca se daria como assente o último destes pressupostos, que impõe que as restrições não possam diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos consti- tucionais que os estabelecem.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=