TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Fundamentos do pedido Entende o Provedor de Justiça que tais normas, nos segmentos em que, por um lado, fazem depender a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça da exaustão dos recursos administrativos previstos na lei e, por outro, circunscrevem a possibilidade de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça às situações que envolvam a violação de direitos, liberdades e garantias dos próprios militares queixosos ou prejuízo para estes, violam as normas contidas nos artigos 23.º, n. os 1 e 2, e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade da solução legal que impõe a prévia exaustão das vias hierárquicas previstas na lei para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça por parte dos militares ou agentes militarizados das Forças Armadas, os fundamentos do pedido são, em síntese, os seguintes: – Não obstante o Tribunal Constitucional ter apreciado questão jurídico-constitucional idêntica no Acórdão n.º 103/87, e ter decidido, com vários votos de vencido, pela sua não inconstitucionali- dade, entende o requerente, Provedor de Justiça, colocar de novo a questão, por não concordar com os fundamentos da tese que fez vencimento no citado Acórdão. – O direito de queixa ao Provedor de Justiça (artigo 23.º da Constituição) é um direito fundamental que beneficia do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias, vertido nos artigos 17.º e 18.º do texto constitucional. – Fazer depender a possibilidade de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça do esgotamento prévio dos meios de impugnação hierárquicos dentro da estrutura militar não constitui uma mera regulamentação do direito em causa, como se defendeu no Acórdão n.º 103/87, mas antes uma verdadeira restrição ao exercício, neste caso por parte dos militares, daquele direito fundamental. – Resulta inequivocamente do n.º 2 do artigo 23.º da Constituição que o legislador constituinte conformou o direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça como independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis, pelo que qualquer concretização do direito que faça depender o seu exercício da utilização obrigatória, prévia ou póstuma, de meios de reclamação graciosos ou contenciosos previstos na lei, não está apenas a proceder à sua regu- lamentação, antes limita-o num dos seus elementos estruturantes – a que, de resto, o legislador constitucional deu expressão direta no n.º 2 do artigo 23.º da Lei Fundamental – impondo-lhe uma verdadeira restrição. – Não pode aceitar-se, como se pretende no citado Acórdão n.º 103/87, que a obrigatoriedade de exaustão de recursos administrativos por parte dos militares queixosos constitua um limite ima- nente da garantia constitucional associada ao direito fundamental de queixa ao Provedor de Justiça. Sendo certo que a atividade política dos órgãos de soberania ou a atividade judicial constituirão limites imanentes à atividade do Provedor de Justiça (e ao correspondente direito fundamental de queixa de todos os cidadãos, como se reconhece no artigo 22.º do Estatuto do Provedor de Justiça), o mesmo não poderá dizer-se de limites associados ao estatuto constitucional específico de certos cidadãos pelo facto de estarem inseridos numa determinada instituição, neste caso caracterizada por uma estrutura de hierarquia, de comando e de disciplina, como é a das Forças Armadas. – Se há que admitir que os valores de hierarquia, de comando e de disciplina «constituirão limites ao exercício de determinados direitos por parte dos referidos cidadãos – desde logo os elencados no artigo 270.º da Constituição –, também é verdade que a Constituição é clara ao afirmar que a defi- nição legal de eventuais restrições concretas ao exercício de direitos por parte dos militares tem de ser feita “na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções”. Não é manifestamente o caso do direito individual e privado de queixa ao Provedor de Justiça de que beneficiam todos os cidadãos». – Estando em causa uma restrição ao direito de queixa ao Provedor de Justiça, torna-se imprescindí- vel verificar se a restrição em análise passa o teste do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da CRP.
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