TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por seu turno, o conceito de reserva de jurisdição foi preenchido na jurisprudência do Tribunal Cons- titucional como decorrência fundamental do próprio princípio da independência dos tribunais. Pode ler-se no Acórdão n.º 67/06: «Um dos corolários ou dimensões do princípio da independência dos tribunais é o de que o juiz, no exercício da sua função jurisdicional, apenas está submetido às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas (independência funcional). Por outro lado, como diz Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Consti- tuição, p. 658, a independência judicial postula o reconhecimento de uma reserva de jurisdição, entendida como reserva de um conteúdo material típico da função jurisdicional, o que implica que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última, mas também a primeira palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tradicional das penas restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os tribunais são os “guar- diões da liberdade” e daí a consagração do princípio nulla poena sine judicio (…)». O estabelecimento de uma reserva específica do juiz de instrução (32.º, n.º 4, da CRP) pode colher as considerações antecedentes quanto ao juiz do julgamento, a que acrescerá a compreensão do papel do juiz de instrução na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos na fase pré-acusatória. Nas palavras de Dá Mesquita, «O estatuto do órgão judicial nas fases em que intervém como dominus da fase processual (instrução ou julgamento) é inteiramente distinto do que assume na fase pré-acusatória “como entidade exclusivamente competente para praticar ordenar ou autorizar certos atos processuais que na sua pura obje- tividade externa, se traduzem em ataques a direitos, liberdades e garantias das pessoas constitucionalmente protegidos”, sendo certo que a fase do inquérito pode findar sem que o juiz de instrução tenha intervenção. A circunstância da direção da fase de inquérito pertencer ao Ministério Público e da intervenção judi- cial ser pontual não descaracteriza o juiz de instrução na fase pré-acusatória como órgão judicial que atua em plena autonomia do Ministério Público, apesar de a sua intervenção estar normalmente dependente da promoção do Ministério Público pelo que objetivamente condicionada a uma decisão prévia desse órgão» ( Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, ob. cit., pp. 173-174). Conclui, nessa esteira, o Autor citado tratar-se de uma intervenção tipificada e provocada, cabendo ao Ministério Público o juízo sobre a sua oportunidade e a primeira avaliação da sua necessidade ( idem, p. 175). Noutra perspetiva, já foi ponderado neste Tribunal que a reserva de juiz “comprime a alegada reserva do Ministério Público na direção do inquérito, até onde se revele necessária para proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que, em obediência ao texto constitucional, o CPP de 1987 não tenha deixado de prever a inter­ venção ocasional do juiz de instrução para praticar, ordenar ou autorizar certos atos processuais singula- res que, na sua pura objetividade externa, se traduzem em ataques a direitos, liberdades e garantias cons- titucionalmente protegidos ( v. g. , a aplicação de medidas de coação ao arguido, a realização de buscas domi­ciliárias, a apreensão de correspondência, a localização celular ou a interceção, gravação e registo de comunicações telefónicas), para além de outros atos de cariz jurisdicional ( v. g. , tomada de declarações para memória futura, admissão de assistente, aplicação de multas)” (Acórdão n.º 412/11, disponível em http://www.tribunalconstit ucional.pt ). Assim, a configuração constitucional dos papéis conferidos ao Juiz e ao Ministério Público em processo penal, na conjugação do princípio do acusatório com a reserva de juiz na aplicação de medidas de coação na fase de inquérito, não se afigura desrespeitada pela solução legal em causa prevista no n.º 2 do artigo 194.º do CPP. Para o efeito, deverá compreender-se que a intervenção do juiz de instrução na aplicação de medidas de coação na fase de inquérito é primacialmente dirigida ao controlo do meio de coação requerido, seja na sua admissibilidade e legalidade. Pelo que a norma contida no n.º 2 do artigo 194.º do CPP não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 4 e n.º 5, da CRP.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=