TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

177 acórdão n.º 474/12 impedisse), ou seria preferível que limitasse a sua convicção pelo máximo de medida da sanção que estava na sua competência normal aplicar. A Comissão decidiu-se, no artigo 16.º, n.º 3, pela última alternativa e, quanto a mim, com excelentes razões político-criminais, que seria deslocado explanar aqui. O que interessa é acentuar que, deste modo – e como agora, porventura, já se terá tornado claro –, o princípio da reserva da função jurisdicional permanece intocado: é o juiz singular que julga, como é ele que determina con- cretamente a sanção dentro dos limites abstratos em que a lei lhe permite que mova a sua discricionariedade vincu- lada. A lei acrescento e acentuo – e só ela, de sorte que a independência do juiz também não é, no que quer que seja, afetada. O que sucede é que – e é isto o que há de singular no método de determinação concreta da competência – “lei” não é apenas o preceito do Código Penal onde se preveem os limites abstratos das sanções aplicáveis; “lei” é também, e a igual título, o preceito do Código que limite a convicção do juiz pelo máximo das sanções que ele pode aplicar, quando o Ministério Público – como representante do Estado e porta-voz, portanto, do seu poder punitivo – entenda que, no caso, aquele máximo não deve ser ultrapassado. Esse entendimento tem na base um processo de “aplicação do direito”? Decerto que sim, como o tem qualquer outro que o Ministério Público assuma no exercício da ação penal e, nomeadamente, na sua decisão de acusar ou antes de arquivar o processo: “aplicação do direito”, porém, não “jurisprudência”. O Ministério Público codetermina deste modo, em certa medida, o sentido da decisão final? Decerto que sim, como o codetermina qualquer ato próprio de um sujeito processual, nomeadamente a sua decisão de recorrer ou de não recorrer! Os poderes do juiz são assim limitados, para além do que resulta da lei penal substantiva aplicável? Decerto que sim, como o são através de inúmeros comportamentos dos sujeitos processuais, nomeadamente aquele em que se traduz a fixação do objeto do processo pelo Ministério Público, ou – de uma forma ainda mais paradigmática para o caso aqui em discussão – aquele outro que põe em funcionamento a proibição de reformatio in peius . De uma forma ainda mais paradigmática, digo, porque a argu- mentação dos opositores desta proibição – que, durante tantos anos, impediu a verdadeira conquista democrática em que uma tal proibição se traduz – não era no fundo outra senão a de que o regime próprio desta proibição tornaria parcialmente disponível o objeto do processo e permitiria assim que a atuação processual dos eventuais recorrentes subtraísse ao juiz funções que deveriam caber-lhe de forma indisponível! Toda esta linha de argumentação não colhe face a um processo penal dotado, nos termos do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, de “estrutura acusatória”. Não quero significar com isto que a estrutura acusatória do processo penal implique por necessidade soluções como a da proibição da reformatio in peius ou a constante do artigo 16.º, n. os 2 e 3. Digo, sim, que estas soluções são compatíveis com aquela estrutura acusatória e devem ser compreendi- das à sua luz; e, ainda mais, que elas representam “um autêntico reforço da estrutura acusatória do processo penal”, sem por isso porem em causa o princípio da investigação ou o caráter indisponível do objeto do processo: que elas representam, numa palavra, a realização da “máxima acusatoriedade do processo penal” compatível com os restantes princípios gerais que lhe presidem. Pela simples e boa razão – que o conjunto do presente trabalho, mas nomeadamente a sua parte final, procura tornar clara – de que levar ao ponto de censura soluções como aquelas de que aqui se trata não significaria respeito pelos princípios da indisponibilidade e da investigação: significaria, sim, conceder a um processo de estrutura inquisitória, ou de estrutura mista acusatória/inquisitória – esse, na verdade, irremediavelmente inconstitucional perante o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. Julgo poder agora concluir: face à Constituição, tanto o sistema do projeto como o do Código, relativos ao artigo 16.º, são perfeitamente legítimos. Não é, pois, no domínio da arguição de inconstitucionalidade – que, a este como a outros propósitos, mal encobre o circunstancialismo político e sociológico em que hic et nunc se processam as relações institucionais e corporativas entre as magistraturas judicial e do Ministério Público – que a discussão entre os dois sistemas deve ser colocada. E, sim, no domínio das vantagens e desvantagens político- -criminais que cada um apresenta para a máxima realização possível das finalidades antinómicas do processo penal que o problema deve ser posto e – assim se espera – aprofundado no futuro.” (“Sobre os sujeitos processuais no Novo Código do Processo Penal”, Centro de Estudos Judiciários, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 20 e segs.).

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