TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
175 acórdão n.º 474/12 fase facultativa (requerida pelo arguido ou pelo assistente) de instrução dirigida pelo juiz de instrução e (exis- tindo acusação ou pronúncia) o julgamento presidido por um juiz” ( Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária , Coimbra Editora, 2003, p. 52). Prima facie pode questionar-se a própria aplicação do preceito constitucional, por se dirigir à garantia da participação do juiz na fase de «instrução» e não na fase de inquérito, em causa nos autos (vide as alegações do Ministério Público, V. Da apreciação do thema decidendum, 28.º). Não parece argumento decisivo, pois mesmo atribuindo ao conceito de instrução plasmado na Cons- tituição o conteúdo que lhe é conferido pelo legislador ordinário, a aplicação do princípio contido no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição às fases que antecedem a fase de instrução do processo penal é acolhida pela doutrina e jurisprudência constitucionais, sempre que haja afetação de direitos fundamentais. Com desen- volvimento, Jorge Miranda e Rui Medeiros dão conta dessa leitura da norma constitucional citada: «Na vigência da redação originária da Constituição entendíamos que o n.º 4 do artigo 32.º tinha pretendido atribuir a competência para a investigação à jurisdição, subtraindo-a ao Ministério Público e às polícias, dando ao conceito de “instrução” o sentido amplo que resultava da legislação contemporânea da aprovação do texto consti- tucional. Em razão das alterações da Constituição posteriores ao Código de Processo Penal de 1987, consideramos agora que o atual conteúdo do conceito de instrução é mais restrito e corresponde à garantia processual dos direitos do arguido ao esclarecimento dos factos, com a sua participação, em ordem à decisão de o submeter a julgamento, o que equivale à fase processual da instrução consagrada no Código de Processo Penal, excluindo-se, pois, a fase de investigação pré-acusatória, salvo no que respeita aos atos que nesta fase se prendam diretamente com os direitos fundamentais, em que a garantia da jurisdição é essencial e reservada pela Constituição a um juiz (Vejam-se, neste sentido, os Acordãos n. os 7/87, 23/90 e 395/04). Por aplicação deste critério, o Tribunal Constitucional decidiu, nos Acordãos n. os 155/07 e 228/07, que a Constituição impõe a prévia autorização do juiz, para que tenha lugar “a colheita coativa de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita”, uma vez que o ato em causa contende, de forma relevante, com direitos, liberdades e garantias” ( Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Wolters Kluwer Portugal /Coimbra Editora, 2010, pp. 728-729). A este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vo- lume I, cit., p. 521) concluem que “sempre se deve entender, pelo menos, que na fase pré-instrutória carecem de intervenção do juiz os atos que afetem direitos, liberdades e garantias” e, mais à frente, que “devem ter-se por abrangidos todos os atos que, fora de processo penal, sempre se haveriam de ter por ofensas a direitos fundamentais (aplicação de medidas de coação, reconhecimento e interrogatório do arguido, buscas domi- ciliárias, interceção ou gravação de conversações telefónicas, exame de correspondência, acesso a ficheiros informáticos de dados pessoais, exames que contendam com a privacidade, etc.)”. Em face do n.º 4 do artigo 32.º, estamos perante uma garantia constitucional de reserva de competência do juiz de instrução relativamente a determinados atos processuais, mesmo na fase pré-instrutória, sendo consensual o entendimento de que cabem aqui as medidas de coação aplicadas na fase de inquérito. Assim, as medidas de coação são “atos judiciais” para efeitos do artigo [hoje] 202.º da Constituição, pelo que devem ser mesmo praticados (e não meramente autorizados) pelo juiz de instrução, como conclui Anabela Miranda Rodrigues (“A jurisprudência constitucional portuguesa e a reserva do juiz nas fases ante- riores ao julgamento ou a matriz basicamente acusatória do processo penal” in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 51). No caso em apreço, a norma cuja constitucionalidade foi posta em crise tem por obrigatória a interven- ção do juiz de instrução na aplicação de medidas de coação ao arguido na fase de inquérito – em consonância com a natureza de “ato judicial” das medidas de coação. É o juiz que decreta as medidas de coação a aplicar (segundo a lei, sob requerimento do Ministério Público). A questão suscitada não se prende pois com a
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=