TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. Previamente à apreciação da questão de constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 194.º do Código de Processo Penal (CPP) afigura-se útil traçar, por um lado, um enquadramento sucinto quanto ao direito infraconstitucional em causa e à posição da doutrina; e, por outro lado, considerar as normas relevan- tes da Constituição em matéria de função jurisdicional e reserva do juiz e do papel do Ministério Público no âmbito do processo penal. 5. Quanto ao direito infraconstitucional em causa, há que considerar a versão vigente do n.º 2 do artigo 194.º do CPP e a sua origem bem como a versão do artigo 194.º anterior ao aditamento do n.º 2 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto. 5.1 A norma em apreço resulta da alteração introduzida no artigo 194.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que aprovou a 15.ª alteração ao mesmo Código (cfr. artigo 1.º) mediante aditamento de um novo número (n.º 2), tendo o seguinte teor: «Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de coação ou de garantia patrimonial mais grave do que a requerida pelo Ministério Público, sob pena de nulidade». 5.1.1 Na exposição de motivos da proposta de lei n.º 109/X (apresentada em 20 de dezembro de 2006 e publicada no Diário da República , II Série-A, n.º 31/X/2, de 23 de dezembro de 2006), a qual esteve na ori- gem do referido aditamento ao artigo 194.º do CPP introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, pode ler-se, quanto às alterações a introduzir em matéria de medidas de coação: “Acolhendo o entendimento dominante, impede-se o juiz de instrução de aplicar, durante o inquérito, medida de coação ou garantia patrimonial mais grave do que a preconizada pelo dominus dessa fase proces- sual – o Ministério Público (artigo 194.º)”. 5.1.2 De acordo com a referida exposição de motivos, a justificação da nova formulação legal em causa residiu no facto de o legislador ter procurado corresponder à interpretação doutrinária maioritária sobre o âmbito dos poderes do juiz que decide da medida de coação a aplicar, a partir da formulação então conferida ao artigo 194.º do Código do Processo Penal. 5.2 Até à reforma do Código, corporizada na Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o regime das medidas de coação, no que aqui releva, estabelecia que as mesmas eram aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Mi- nistério Público (n.º 1 do artigo 194.º), sendo a sua aplicação precedida, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido, podendo ter lugar no ato do primeiro interrogatório judicial (n.º 2, idem ). 5.2.1 A doutrina processualista portuguesa pronunciou-se, fundamentalmente, sobre duas questões relativas ao regime em causa, tal como constava do Código à altura. A primeira, e a mais relevante para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, era a de saber se poderia ser decretada medida mais gravosa do que a formulada no pedido do Ministério Público; já a segunda, aquém da questão em análise, conside- rava mesmo se o juiz poderia decretar medida diversa da requerida pelo Ministério Público ou se lhe estaria reservado o papel de concordar ou discordar da concreta medida proposta. 5.2.2 A resposta da maioria da doutrina processualista e penalista à primeira questão era não (dando conta dessa tendência, Dá Mesquita, Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária , Coimbra Editora, 2003, pp. 193-194, nota 122); entre aqueles notava-se alguma divisão quanto à segunda questão. A título de ilustração de diferentes respostas da doutrina quanto à segunda questão vide Odete Maria Oliveira, As
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