TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
163 acórdão n.º 466/12 No juízo de verificação da determinabilidade da previsão legal de um comportamento sancionado cri- minalmente ou contraordenacionalmente convém, desde logo, ter presente que, por mais cuidada que seja a técnica legislativa e sendo seguro que qualquer conceito terá sempre um maior ou menor grau de imprecisão, é inevitável o recurso a cláusulas gerais ou a conceitos que sofrem de algum grau de indeterminação (vide, a propósito da construção de tipos legais de crime, Figueiredo Dias, na ob. cit., p. 186). Dos elementos apontados pela recorrente apenas o cariz sensível do grau de afetação da concorrência e o modo de descrição dos comportamentos que a afetam colocam dúvidas quanto à indeterminabilidade do respetivo tipo legal, uma vez que os restantes correspondem a realidades perfeitamente identificáveis pelos destinatários da norma em causa. O primeiro elemento, apesar de ser indiscutivelmente um conceito indeterminado, desempenha uma função negativa no tipo, excluindo da sua previsão as ações de diminuta relevância, não tendo no conjunto da regulamentação típica um papel suscetível de gerar uma indefinição da área de proteção da norma. Quanto ao modo de identificação das ações violadoras da concorrência efetuada no corpo do referido artigo 4.º, se o mesmo poderia suscitar algumas dúvidas, pelo seu cariz genérico, quanto à existência de uma definição legal suficientemente esclarecedora dos comportamentos verdadeiramente proibidos e sancionados contraordenacionalmente, a descrição exemplificativa, contida nas alíneas a) a g) , de um conjunto de práticas que integram a previsão do corpo do artigo, supre essa insuficiência de concretização. Na verdade, o legislador não se limitou a uma proibição genérica de comportamentos que impedissem, falseassem ou restringissem de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, tendo acrescentado nas referidas alíneas uma descrição de exemplos-padrão desses comportamentos que concretiza e determina minimamente o critério generalizador estabelecido no corpo do artigo. Assim, contrariamente ao sustentado pela recorrente, a formulação do artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Con- corrência, constitui uma comunicação segura ex‑ante do conteúdo da proibição aos seus destinatários, per- mitindo-lhes, por isso, orientar e conformar as suas condutas de acordo com esta proibição. Não se revela, pois, que o conteúdo deste preceito viole os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade em matéria contraordenacional. 2.2. A recorrente alega ainda que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, ao sancionar contraordena- cionalmente as “decisões de associações de empresas”, responsabilizando-as pelos comportamentos das suas associadas, viola os princípios constitucionais da culpa, da presunção de inocência e da tutela jurisdicional efetiva. Estando apenas em causa neste recurso o conteúdo do artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, no seu enunciado literal, não é possível considerar que o mesmo comporta a responsabilização contraordenacional das associações de empresas por comportamentos das suas associadas. Na verdade, da leitura deste preceito resulta que as associações de empresas são apenas sancionadas pela adoção de decisões, através dos seus órgãos, que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional. Se, na sequência dessas decisões, são adoptados pelas respetivas empresas associadas comportamentos que infringem as proibi ções contidas no artigo 4.º da Lei da Concorrência, o sancionamento das associações reportar-se-á ao ato deliberativo, isto é a uma conduta por si praticada, pelo que este preceito não prevê qualquer fenómeno de transmissão subjetiva da responsabilidade contraordenacional que pudesse colocar em causa os princípios da culpa, da presunção de inocência e da tutela jurisdicional efetiva. 2.3. Tendo-se concluído que a formulação do artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, não consagra o sancionamento de condutas indeterminadas, nem o sancionamento de associações pelo mero comportamen- to individual dos seus associados, não é possível afirmar que o mesmo atenta contra a liberdade de associação garantida pelo artigo 46.º, n.º 1, da Constituição.
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