TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL saber se foi ou não violada a garantia conferida ao trabalhador pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho. Não restam dúvidas que a CRP protege especialmente o trabalho e a condição de quem o exerce. É o que decorre, pelo menos, dos seus artigos 53.º a 59.º A atividade de quem trabalha não é por isso estreita- mente concebida pela ordem constitucional como um mero instrumento de sobrevivência económica. É, mais do que isso, valorada como pressuposto de afirmação da dignidade das pessoas e da sua autonomia, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º e 2.º do texto constitucional. Assim, ainda que a garantia conferida ao trabalhador pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho possa encontrar um fundamento próprio na lógica interna do contrato de trabalho – nomeadamente, no princípio da boa fé contratual –, não restam dúvidas que essa mesma garantia tem um certo respaldo na ordem constitucional. Precisamente porque o trabalho é, para esta ordem, um valor, a dignidade de quem trabalha, a que se refere especialmente a alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, encontra uma refração clara na garantia que a lei ordinária dá ao trabalhador, segundo a qual este último não ficará à mercê da inatividade que seja injustifi- cadamente imposta pela entidade patronal. No entanto, tal não basta para que se conclua que, por força da Constituição, o processo justo no do- mínio jus-laboral, em que se discuta a violação desta garantia, é necessariamente aquele em que se invertem as regras gerais – ditas “civilísticas” – relativas ao ónus da prova. Como alega acertadamente o recorrente, o sistema dos direitos fundamentais detém uma unidade de sentido, que se organiza em torno da ideia da dignidade das pessoas. Ora, precisamente por assim ser, não cabe ao intérprete da Constituição estabelecer hierarquias abstratas e rígidas entre os vários valores ou bens jurídicos que nesse sistema são protegidos. E a verdade é que o trabalho não é o único valor tutelado pelo sistema; a par dele surgem vários outros, todos eles determinantes da ordem infraconstitucional, como por exemplo a integridade das pessoas (artigo 25.º), a liberdade de pensamento, de expressão e de criação ar- tística (artigos 41.º, 42.º e 43.º) ou a intimidade da vida privada (artigo 26.º). Se em relação a todos estes bens, constitucionalmente tutelados, se seguisse a tese defendida pelo recorrente – segundo a qual, por força da proteção constitucional desses mesmos bens, nos processos em que se invocasse a violação de um direito ainda eles atinente se operaria automaticamente uma inversão do ónus da prova – a conformação das regras de processo tornar-se-ia dificilmente compatível com as exigências de segurança jurídica que os princípios contidos no artigo 2.º e 20.º da CRP exigem. Nenhum motivo há para que se conclua que o valor ou bem “trabalho” merece, quanto a este ponto, um tratamento preferencial ou excecional. É certo que as relações laborais são marcadas pela especial vulnerabilidade de um dos seus sujeitos; como é certo, também, que é in- tenção da ordem constitucional proteger nessa relação a parte mais frágil. No entanto, tal não chega para que o intérprete possa afirmar que, por causa disso, o valor “trabalho” ocupa no sistema de bens jus-fundamentais uma posição hierárquica tal, em relação a outros bens, que por si só justifique a inversão dos princípios gerais do ónus da prova em processos jus-laborais. Esta inversão poderá vir a ser decidida, como o indica a parte final do n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil, pelo legislador ordinário, que assim ponderará como conciliar diferentes bens constitucionais que eventualmente conflituam – em identificadas circunstâncias – entre si. Mas nada na Lei fundamental permite concluir que tal inversão do ónus da prova se dá, nos processos jus- -laborais, independentemente da lei, e apenas por força da proteção que a ordem constitucional dispensa ao trabalho e à condição do trabalhador.
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