TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fundamentais; conceito de processo justo, ou equitativo, em matéria laboral; dever de ocupação efetiva do trabalhador – o ónus da prova, tendo sido alegada por este último violação do seu direito à ocupação efetiva, deverá, por imposição constitucional, impender sobre a entidade patronal. Ou, tal como consta de uma das conclusões das alegações apresentadas: “[f ]ace ao disposto na Constituição e aos princípios nela consignados [artigos 1.º, 2.º, 20.º, n.º 4 e 59.º, n.º 1, alínea b) ], a conceptualização do Direito do Trabalho – com direta e necessária transposição para o direito processual laboral – repudia, em termos de ónus da prova da ocupação efetiva do trabalhador, a conceção civilista, constante, fundamentalmente, dos artigos 516.º do Código de Processo Civil, e dos artigos 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil.” Contra-alegou, na qualidade de recorrida, B., S. A.. Recordou, antes do mais, que a questão essencial que tinha estado em discussão nas instâncias era, em seu entender, a da licitude ou ilicitude do despedimen- to do autor da ação; e que, perante ela, o problema da ocupação efetiva do trabalhador emergia à evidên- cia como uma questão lateral, artificialmente enfatizada pelo recorrente junto do Tribunal Constitucional. Questão essa que, a seu ver, nenhum fundamento teria, pois que não decorreria dos princípios constitucio- nais invocados qualquer efeito automático de inversão do ónus da prova em processo jus-laboral, mesmo que se entendesse – como o faria consensualmente a jurisprudência e a doutrina – que a ocupação efetiva do trabalhador correspondia a um dever do empregador, e ainda que se discutisse, em processo perante um tribunal, a questão de saber se esse dever teria sido ou não cumprido. Importa apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. Quem invoca um direito em juízo deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega ter. É esta a regra geral do nosso ordenamento em matéria de repartição do ónus da prova, regra geral essa que pode ser excecionada quando o legislador assim o determinar (artigos 342.º a 244.º do Código Civil). Caso haja dúvidas – sobre a realidade de um facto e sobre a questão de saber sobre quem impende o encargo de a provar – a dúvida resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 516.º do Código de Processo Civil). Sustenta o recorrente no presente processo que todo este regime, emergente do Código Civil e do Códi- go de Processo Civil, não deve valer para o processo jus-laboral, sobretudo quando – como, em sem entender, ocorreu no caso concreto – se discute fundamentalmente em juízo a questão de saber se foi ou não violado o direito do trabalhador à ocupação efetiva. A tese apresentada é a de que, nestas circunstâncias, se inverte necessariamente o ónus da prova do facto constitutivo do direito, cabendo tal ónus não a quem invoca o direito (o trabalhador) mas a quem está perante ele obrigado (a entidade patronal). De acordo com o recorrente, a inversão do ónus da prova ocorre nestas circunstâncias por imperativos constitucionais. Antes do mais, por ser o direito à ocupação efetiva um direito fundamental, decorrente do direito ao trabalho segundo o artigo 58.º [e 59.º, n.º 1, alínea b) ] da Constituição; mas, para além disso, por ser o “trabalho” um valor dotado em geral de uma especial proteção jurídico-constitucional. Assim, e nos termos da tese apresentada, o alcance da necessária igualdade substancial dos sujeitos da relação juslaboral que a CRP pretende garantir é tal que dele decorre uma injunção especial para a confor- mação do processo justo no domínio laboral. O princípio da máxima efetivação dos direitos fundamentais, ínsito no princípio geral do Estado de direito (artigo 2.º), obriga a que se entenda que, quando se discute em juízo a questão de saber se foi ou não violado o direito do trabalhador à ocupação efetiva, impende so- bre a parte facticamente mais forte da relação (a entidade patronal) o ónus de provar a ocorrência do facto constitutivo do direito. A inversão do regime geral, “civilístico”, sobre a repartição do ónus da prova decorre portanto neste caso, e de acordo com o recorrente, da própria Constituição, sem necessidade de lei e inde- pendentemente de lei.
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