TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, não é a disciplina de meros poderes processuais que está em causa. No sistema jurídico português, a prescrição não é, segundo o entendimento jurisprudencial e doutrinariamente dominante, um mero pressuposto processual. Como se afirmou no Acórdão n.º 183/08, “a prescrição tem, pelo menos em parte, uma natureza substantiva (sobre a dupla natureza processual e substantiva do instituto da prescrição, Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português.” Parte Geral, II, in As Consequências Jurídicas do Crime , Coimbra 1993, p. 698 segs. e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, Lisboa 1999, p. 225)”. Não é, pois, por esta diferenciação que a norma deixa de satisfazer a exigência do “processo equitativo”. 10. Mas a não atribuição desse efeito interruptivo ou suspensivo da prescrição à acusação deduzida pelo assistente ( rectius à respetiva notificação) tem de ser ponderada em si mesmo, em ordem a saber se a posição em que o ofendido fica não será de tal modo desequilibrada que viola o princípio do “justo processo” ou do “proces- so equitativo”, anulando, na prática, a efetividade da tutela jurisdicional através do processo penal para o bem jurídico em causa. Efetivamente, as exigências do processo equitativo aplicam-se ao processo penal – embora, na perspetiva do direito de defesa a própria Constituição o concretize e densifique no artigo 32.º – e abrangem a posição do ofendido que se constitua como assistente. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons- tituição da República Portuguesa, 4.ª edição, I Vol., “o significado básico da exigência do processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva”. É certo que nos crimes particulares, apesar de conferir dignidade penal à ofensa a determinado bem jurí dico, a lei não comete ao Ministério Público a prossecução oficiosa da ação penal. Em último termo, nesse género de crimes, o papel conformador autónomo quanto à atuação do poder punitivo do Estado é atribuído ao ofendido, ou melhor, ao assistente. Nos termos conjugados dos artigos 48.º, 50.º e 285.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem legitimidade para promover oficiosamente o processo por cri- me particular, ficando a própria abertura do inquérito dependente da apresentação de queixa pelo ofendido e a promoção do processo para julgamento dependente de constituição de assistente e dedução da respetiva acusação. No que toca à atuação pública do poder punitivo os seus momentos determinantes são fortemente condicionados por impulsos do ofendido. Efetivamente, se o assistente acusar, o Ministério Público poderá acusar ou não, mas só pode acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não impuserem alteração substancial daqueles (artigo 285.º, n.º 4, do Código de Processo Penal). Deste modo, neste género de crimes, a pretensão de fazer corresponder uma sanção penal à prática de certos factos típicos é substancial- mente protagonizada pelo assistente. Todavia, o processo penal não se converte, por isso, num mero processo de interesse privatístico. Mesmo com os poderes de promoção do procedimento condicionados pela atuação do ofendido, é ao Ministério Público que, constitucionalmente, continua a caber a titularidade da ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Independentemente de saber se a interpretação normativa em causa é a mais acertada, encontra-se nessa configuração constitucional e na natureza prevalentemente substantiva da prescrição, fundamentação material bastante para só atribuir efeito interruptivo ou suspensivo da prescrição, a mais dos que decorrem de atos jurisdicionais, à afirmação da vontade de perseguição penal que seja assumida, em nome do Estado, pelo Ministério Público. É certo que, se o Ministério Público não acompanhar a acusação do assistente, pode suceder que a atua- ção deste em busca da tutela penal se torne improdutiva, por mais diligente que ele tenha sido na prática dos atos que lhe competia praticar. Mas essa consequência só na aparência é privativa dos crimes particulares. Essa mesma consequência de a afirmação de vontade processual do ofendido (constituído assistente) não ser idónea para interromper ou suspender o prazo de prescrição do procedimento e de, consequentemente, a via de tutela penal poder extinguir-se por virtude de atuações processuais que não domina, verifica-se nos crimes públicos ou semipúblicos quando o Ministério Público opte por não acusar. O que está em causa não é a estrutura equitativa do processo ou a disciplina justa dos atos processuais mas os efeitos substantivos destes, sendo que do n.º 7 do artigo 32.º da Constituição não resulta que a lei tenha de conferir à acusação do ofen- dido os mesmos efeitos que confere ao exercício a ação penal pelo Ministério Público. E, não pode olvidar-se
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