TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XVI. Estas conclusões relevam para efeitos de interpretação das normas penais respeitantes ao instituto da pres- crição, vertidas nos artigos 120.º e 121.º do CP, já que a arquitetura das causas de interrupção e suspensão da prescrição depende da concreta estruturação que, num dado momento, assuma o processo penal. XVII. Nem o artigo 120.º, n.º 1, alínea b) , do CP, nem o artigo 121.º, n.º 1, alínea b) , do mesmo Código, esta- belecem qualquer distinção quanto à eficácia interruptiva ou suspensiva da acusação pública relativamente à acusação particular, ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público relativamente à acusação particular não acompanhada por este último. XVIII.O que releva para apurar da aptidão ou não de certo ato para interromper ou suspender a prescrição é saber se o ato em causa tem ou não a virtualidade de pôr em movimento a ação e, assim, conservar judicialmente a lembrança do crime. XIX. As características apontadas surpreendem-se na acusação particular, independentemente de esta não cons- tituir um ato judicial, pelo que lhe deve ser reconhecida eficácia interruptiva e suspensiva da prescrição. XX. Não pode ainda deixar ser tido em conta que, embora o Estado confie ao ofendido a iniciativa e a decisão sobre a promoção do processo e a submissão a julgamento dos crimes particulares, a condução do inquérito e a realização das correspondentes diligências continuam a constituir prerrogativas do MP. XXI. O ofendido tem escasso ou nenhum controlo sobre o tempo que medeia entre a apresentação da sua queixa e a prolação pelo MP do despacho de encerramento do inquérito, do qual depende a possibilidade de dedução da acusação particular. XXII. A consequência da posição defendida na decisão recorrida seria, a da prescrição do procedimento criminal ficar «nas mãos» do MP, sem qualquer possibilidade de intervenção por parte do ofendido/assistente, que assim veria sem quaisquer consequências os factos criminosos contra si praticados, anulando-se de forma radical e definitiva o seu direito constitucional a intervir no processo e a fazer atuar o poder punitivo do Estado de forma minimamente satisfatória. XXIII. Impõe-se concluir que as normas aplicadas pelo Tribunal a quo , ao preverem que a suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal apenas ocorre com a notificação ao arguido da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo MP e ao, inversamente, negarem idêntica relevância à acusação particular deduzida pelo assistente mas não acompanhada pelo MP, implicam uma constrição do direito de intervenção do ofendido no processo penal, que, ao bulir com o núcleo essencial daquele direito, o limitam, na sua concretização no procedimento por crime particular, em termos de o mesmo não poder ser, na realidade das coisas, exercido. XXIV. As normas aplicadas têm como efeito a privação, no procedimento criminal por crime particular, do direito do ofendido de fazer atuar o poder punitivo do Estado, anulando totalmente o sentido da intervenção deste sujeito processual no processo, porquanto a sua participação perde o pretendido poder conformador. XXV. Esta restrição do direito de participação do ofendido no procedimento criminal por crime particular é desnecessária, desadequada e desproporcional, violando o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 13.º da CRP, na medida em que estabelece uma diferenciação de tratamento do ofendido nas suas vestes de acusador par- ticular, relativamente ao MP e à acusação por este proferida, sem que exista qualquer fundamento legítimo para tal distinção. XXVI. As normas aplicadas implicam uma restrição do acesso do ofendido ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, mediante processo equitativo, conferido pelos artigos 20.º, n. os 1 e 4, da CRP, restrição que, em si mesma, viola a Constituição (cfr. artigo 20.º da Constituição, e artigo 10.º da DUDH, ex vi artigo 16.º, n.º 2, da Constituição) e a CEDH (cfr. artigo 6.º, n.º 1, da referida Convenção, clara emanação do artigo 10.º da DUDH), porquanto implicam uma anulação efetiva da possibilidade de o ofendido ver tutelados os seus direitos no procedimento criminal por crime particular, privando-o, enquanto acusador particular, de um tratamento equiparado ao dado ao acusador público. Termos em que se requer que as normas identificadas sejam declaradas inconstitucionais, ordenando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto às questões de inconstitucionali- dade.»

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