TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL finalidades da punição, a não rejeição da forma sumaríssima significa que, pelo menos de modo implícito, o juiz fez a verificação correspondente e não chegou a tal conclusão. As demais verificações pressupostas nesse despacho, relativas à aplicabilidade abstrata do processo sumaríssimo e ao caracter manifestamente infun- dado da acusação – a saber: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) se os factos não constituírem crime –, consistem no exercício do poder de saneamento e apreciação de questões preliminares de índole essencialmente formal que nada tem de específico do processo sumaríssimo, corres- pondendo às tarefas de saneamento processual que ao presidente do tribunal incumbem quando a acusação não seja precedida de instrução (artigo 311.º do CPP). Relativamente a estas verificações necessárias pelo juiz do julgamento não se vislumbra que se suscitem dúvidas de constitucionalidade a este título. De outro modo, em qualquer processo, o juiz que tivesse proferido o despacho de saneamento liminar estaria sempre impedido para o julgamento, o que seria excessivo porque essa verificação não compromete o juiz, aos olhos da comunidade, com qualquer sentido do julgamento. Assim, a questão fica problematicamente reduzida a saber se a circunstância de o juiz não ter considera- do no despacho inicial a sanção manifestamente inadequada é de molde a gerar, aos olhos do homem médio suposto pela ordem jurídica, medianamente conhecedor da estrutura do processo penal e da organização judiciária, a desconfiança de que a decisão que, a final, esse juiz venha a tomar está preordenada ou condi- cionada por essa liminar decisão. Efetivamente, ao proferir esse despacho liminar o juiz limita-se a tomar conhecimento da identificação do arguido, da descrição dos factos que lhe são imputados, da respetiva qualificação jurídica, da prova exis- tente e das razões que, segundo o titular da ação penal, justificam pena não privativa da liberdade e qual é a sanção concretamente proposta. Não faz qualquer apreciação da prova recolhida no inquérito ou um juízo autónomo sobre a culpabilidade do arguido. O juízo que lhe compete fazer sobre a adequação da sanção – geralmente implícito, como no caso sucedeu, mediante um despacho tabelar que se limita a considerar que “não é de rejeitar” o requerimento – permanece no plano da mera evidência face à descrição efetuada pelo Ministério Público. Esse juízo não significa que considere positivamente adequada aquela sanção, aderindo a todos e cada um dos argumentos aduzidos pelo titular da ação penal. Tudo o que o juiz decide – salvo se propuser outra sanção, mas isso corresponde a uma dimensão normativa que está fora do objeto do presente recurso – é que, perante essa descrição dos factos imputados ao arguido, a sanção proposta não se apresenta como manifestamente insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Limita-se a não considerar aquela sanção como devendo ser excluída por assentar em erro manifesto ou critério ostensivamente inadmissível quanto aos fins das penas. É um juízo que repousa nos factos descritos no requerimento, sem averiguar a sua realidade, e numa análise jurídica de primeira aparência. Significa, apenas, que a aplicação daquela sanção não constitui um erro palmar (manifesto) face aos fins das penas. O juiz não se compromete pessoalmente com essa sanção, não fez um juízo definitivo de adequação dela à ilicitude, à culpa e à personalidade do arguido. Subsiste uma diferença flagrante, quanto ao envolvimento do sujeito judicante e à liberdade interior para rever o juízo, entre julgar uma sanção adequada e não julgá- -la manifestamente inadequada. Este juiz não diz qual é a pena justa, em termos de permanecer sobre ele a suspeita de incapacidade para encontrar a sanção que, face aos factos que venham a provar-se em julgamento, aos critérios legais e à dialética desenvolvida em audiência, satisfaça os fins das penas. Diz, somente, que as exigências comunitárias em matéria de aplicação das penas não sofrem postergação manifesta se, no trade off entre o sumo rigor da lei e a eficácia que a aceitação de processos deste tipo implica, a sanção proposta pelo Ministério Público vier a ser aquela que o arguido efetivamente suporta. Em suma, as verificações, implicita ou explicitamente efetuadas no despacho judicial previsto no n.º 1 do artigo 395.º do CPP que se limite a não rejeitar o requerimento do Ministério Público para aplicação da pena em processo sumaríssimo (a que o arguido vem a opor-se), não convertem o juiz em órgão de acusação, nem o conduzem a pré-juízos sobre a prova dos factos, a culpabilidade do arguido, ou a adequação da pena que objetivamente justifiquem desconfiança na sua imparcialidade para intervir como juiz de julgamento.
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