TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

119 acórdão n.º 442/12 O Tribunal Constitucional tem vindo a apreciar, de modo reiterado e constante, a questão da delimita- ção da esfera de proteção normativa do direito fundamental de acesso aos tribunais. Precisamente em sede de processo penal, a jurisprudência constitucional tem considerado, de modo unânime, que não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) um direito subjetivo a que determinada questão jurisdicionalmente controvertida goze de um duplo grau de recurso (nesse sentido, entre muitos outros, ver os Acórdãos n.º 338/05, n.º 2/06, n.º 575/06 e n.º 551/09). Estando em causa, nos presentes autos, um recurso circunscrito a matéria de natureza cível – ainda que enxertado em processo penal –, exis- tem razões acrescidas que justificam que a privação de um duplo grau de recurso não afeta, de modo despro- porcionado, o direito de acesso do recorrente aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). O que este último preceito constitucional garante é a possibilidade de ver sindicadas decisões jurisdicionais proferidas por um tribunal de primeira instância. Tal não significa, porém, que essa possibilidade de confronto de uma decisão jurisdicional perante um tribunal superior exija um grau ótimo (ou pleno) de recurso, que apenas cabe ao legislador ordinário decidir se e em que medida é justificado. Em suma, o direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) não abrange o direito a um duplo grau de recurso, pelo que a interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso não padece de inconstitucionalidade material. Sucede, porém, que o recorrente invoca um outro argumento a favor da inconstitucionalidade, o qual assenta no facto de o processo-crime no qual foi deduzido pedido cível ter tido início em 2006, enquanto a atual redação do n.º 3 do artigo 721.º do CPC apenas entrara em vigor, por força do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007 que, portanto, lhe foi posterior, ou seja, trata-se de um problema de aplicação retroativa da norma. Com efeito, apesar de a Constituição da República não consagrar expressa e textualmente, o “princípio da segurança jurídica”, este tem sido associado e extraído do “princípio do Estado de direito” (artigo 2.º, da CRP), à semelhança do que já sucedera, pela doutrina jus-publicista germânica, relativamente ao artigo 20.º da Grundgesetz alemã. Tal princípio exige a garantia de previsibilidade das atuações jurídico-públicas (nor- mativas e outras), por parte dos respetivos destinatários, desdobrando-se numa “dimensão apriorística” que pressupõe uma “certeza na orientação” e numa “dimensão aposteriorística”, que já reclama uma “segurança na implementação” (adotando esta contraposição, ver Reinhold Zippelius, Filosofia do Direito , Quid Iuris, Lisboa, 2010, pp. 215-216). Por um lado, o “princípio da segurança jurídica” exige que que o legislador ordi­ nário adote normas suficientemente claras e precisas, de tal modo que possam constituir parâmetro expec­ tável da atuação a prosseguir pelos particulares, funcionando assim como verdadeiras normas de conduta (“certeza na orientação”). Por outro lado, impõe ainda que uma atuação levada a cabo em consonância com as normas vigentes se consolide na ordem jurídica, a tal ponto que os poderes públicos garantam o respeito, por terceiros, das situações jurídicas geradas por tal atuação, se necessário, mediante o emprego de meios coercivos (“segurança na implementação”). No caso ora em apreço, suscita-se o problema da compatibilidade da interpretação normativa aplicada com o princípio da segurança jurídica (artigo 2.º da CRP), na sua dimensão de “certeza na orientação”. Como tal, só se fosse possível detetar uma perturbação da previsibilidade dos mecanismos de recurso relati- vamente a decisões de tribunais de segunda instância é que poderia concluir-se pela inconstitucionalidade da interpretação normativa adotada pela decisão recorrida. Ora, apesar de o processo-crime ter tido o seu início em 2006, certo é que, à data da prolação da decisão desfavorável, proferida pelo tribunal de primeira instância, a norma constante do n.º 3 do artigo 721.º do CPC já há muito se encontrava em vigor. Como tal, no momento decisivo de ponderação acerca dos meios de recurso ao seu dispor, o recorrente já dispunha da possibilidade objetiva de antever a solução normativa que viria a ser sufragada pela decisão recorrida. Não se pode, portanto, sufragar o entendimento de que a aplicação da interpretação normativa objeto do presente recurso corresponderia a uma aplicação retroativa de norma restritiva do direito de acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a um duplo recurso, na medida em que, à data da prolação da decisão

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