TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
115 acórdão n.º 442/12 E) Mesmo que assim se não entenda e que se julgue o princípio da dupla conforme aplicável aos recursos instaura- dos do pedido de indemnização cível formulado no processo penal, este princípio soçobra sempre que estejam em causa questões de particular relevância jurídica e social, como acontece com estes autos, que tratam de um acidente de viação em que o recorrente esteve em risco de vida, sofreu um longo período de internamento, tem uma IPP de 43% e discute uma indemnização superior a um milhão de euros. F) Ao interpretar o artigo 400 n.° 3 do CPP no sentido de que o princípio da dupla conforme do artigo 721 n.° 3 e 4 é aplicável a esse pedido de indemnização, o STJ violou ostensivamente o princípio de acesso ao direito previsto no artigo 20 n.° 1 e o princípio da confiança no direito contido no artigo 2, ambos da Constituição da República Portuguesa. G) Isto porque amputou ou eliminou, de forma absolutamente surpreendente, uma dupla instância de recurso (da Relação para o STJ) que o CPP expressamente admite e regula no seu artigo 400 n.° 1, 2 e 3. H) Ao proferir tal decisão, sem conceder ao recorrente o direito ao contraditório, o STJ proferiu uma decisão surpresa, imprevisível e contrária à norma do artigo 20 n.° 3 da CRP. Por outro lado, I) O artigo 11 n.° 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, que introduziu o já citado princípio da dupla conforme, refere expressamente que a norma do artigo 721 n.° 3 do CPC não se aplica a processos pendentes. J) Como o presente processo já está pendente desde 2006 e o Decreto-Lei n.º 303/2007 só entrou em vigor em 1 de janeiro de 2008, o princípio da dupla conforme não lhe é aplicável. L) Como a expressão “processos pendentes” não distingue processos cíveis de outro tipo de processos (designada- mente dos processos crime, administrativos ou fiscais), nem descrimina ou exceciona do seu regime os enxertos cíveis dos processos crime propriamente ditos, parece inquestionável que o princípio da dupla conforme é aplicável a todos os processos (sejam eles quais forem) que entrarem em Juízo apenas e tão só após a entrada em vigor da norma que introduz essa regra no nosso ordenamento jurídico. M) É por isso que também é inconstitucional a interpretação jurídica dada pelo STJ ao artigo n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, no sentido de que a expressão “processos pendentes” referida nesse artigo não abrange todos os processos, inclusive os criminais, mas somente as ações cíveis e os pedidos de indemnização civis apresentados em processos crime. N) A melhor demonstração da violação do direito constitucional de acesso ao direito e do princípio da confiança no direito por parte do recorrente é que se tivesse instaurado uma ação cível antes de instituído o princípio da dupla conforme (portanto antes de 1 de janeiro de 2008) – e podia fazê-lo porque o acidente foi em 2006 e o relatório da avaliação dos seus danos físicos é de 23 de junho de 2007 – teria sempre a prorrogativa do duplo grau de jurisdição, já que o valor do seu pedido permitia recurso até ao STJ. O) Mas como foi obrigado a optar pelo processo crime, por força do princípio da adesão previsto no artigo 71 do CPP e por forma a evitar a renúncia ao direito de queixa se fizesse o pedido em separado (artigo 72 n.° 2 do CPP), já o seu direito de acesso a esse duplo grau de jurisdição ficou, com a decisão do STJ, restringido a uma só instância recursiva. Em suma, P) O artigo 400 n.° 3 do CPP, quando interpretado no sentido de que o princípio da dupla conforme previsto no artigo 721 n.° 3 do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 (que refere não se aplicar aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor – 1 de janeiro de 2008 –) é aplicável ao pedido de indemnização civil enxertado no processo crime no caso deste pedido ter sido apresentado depois da entrada em vigor deste diploma, embora se tenha iniciado nestes autos com a apresentação da queixa crime (em 2006), na qual logo o recorrente declarou pretender ser indemnizado, ao abrigo do artigo 75 do CPP, viola o princípio do acesso ao direito previsto no artigo 20 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Q) O Acórdão do STJ violou os artigos 2 e 20 n.° 1 e n.° 4 da Constituição.» (fls. 1515 a 1519).
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