TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

107 acórdão n.º 441/12 de revisão do modo pelo qual se julgou determinada questão, apenas porque o processo interpretativo que no julgamento se seguiu lesou o princípio da legalidade fiscal ou penal: se o fizesse estaria a arvorar-se, ao arrepio da sua natureza fundamental, em quarta instância da ordem dos tribunais comuns. Por outro lado, diz-se ainda, tal implicaria conhecer da constitucionalidade de decisões judiciais, em si mesmas consideradas (pois que objeto do juízo de constitucionalidade seria o próprio processo interpretativo que em certo julgamento se seguiu), o que se situa claramente fora do âmbito dos seus poderes cognitivos, que o sistema constitucional circunscreveu – ao contrário daqueles outros que preveem as chamadas queixas constitucionais ou recursos de amparo – a normas e só a normas. 7. Deve desde já dizer-se que se não seguirá, no presente caso, a orientação que acabou de ser resumida. Tal como sucedeu, por exemplo, no caso dos Acórdãos n. os 183/08, 110/07 e 412/03, conhecer-se-á da questão, por se entender que ela se não situa para além da competência própria do Tribunal Constitucional. É certo que a este último cabe conhecer da constitucionalidade de normas e só de normas. Mas também é certo que, desde cedo, a jurisprudência constitucional adotou um conceito funcional de “norma”, ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização instituído pela Constituição e consonante com a sua justificação e sentido. E se, em fiscalização abstrata, um conceito de “norma” adequado à função que a Constituição confere ao Tribunal é aquele que inclua todo o ato do poder público que “cont[enha] uma regra de conduta para os particulares e para a Administração, ou um critério de decisão desta última para o juiz”, o que acontecerá ainda “com os preceitos legais de conteúdo individual e concreto, ainda mesmo quando possuam eficácia consuntiva”, pois que, tendo eles também como parâmetro de validade imediato não a lei mas a Constituição, nada justificaria que o seu exame escapasse ao controlo específico da constitu- cionalidade (assim mesmo, Acórdão n.º 26/85), na fiscalização concreta, por seu turno, o conceito funcional de “norma” inclui não apenas o enunciado de determinado preceito, em si mesmo tomado, mas ainda a certa interpretação que lhe foi dada pela decisão judicial de que se interpôs recurso. Também aqui é este o sentido funcionalmente adequado que se deve atribuir ao termo “norma”, pois que consonante com as razões justificativas da função de controlo atribuídas ao Tribunal pela Constituição. De outro modo – e tal como aconteceria em fiscalização abstrata, se se partisse de uma noção mais restrita de atos normativos, que não incluísse os atos formais do poder legislativo, ainda que com conteúdo individual e concreto –, também em fiscalização concreta, se o Tribunal não sindicasse a conformidade constitucional das diferentes dimensões interpretativas dadas pelo julgador, nos casos concretos, às normas que por ele são aplicadas (ou cuja aplica- ção é recusada), a função que, especificamente, é atribuída à jurisdição constitucional (de administração da justiça em matérias jurídico-constitucionais: artigo 223.º) não viria a ser cabalmente cumprida. É ainda essa a função que o Tribunal cumpre quando aceita conhecer de questões de constitucionali- dade similares àquela que é colocada no presente caso. O facto de a questão surgir no decurso do processo interpretativo do direito comum que o tribunal a quo adotou não transforma o Tribunal Constitucional em instância revisora das decisões dos tribunais comuns: do que aqui ainda se trata é de sindicar a constitucio- nalidade de uma norma, ou de um critério geral da decisão judicial do caso concreto, que terá sido obtida através de um procedimento que a Constituição, por imposição das garantias de legalidade e tipicidade, penal e tributária, expressamente exclui. 8. No caso, alega a recorrente que foi lesada a garantia da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) por ter o tribunal a quo resolvido a questão material controvertida – a de saber se se encontraria ou não prescrita a dívida tributária que sobre o mesmo recorrente impendia – com recurso ao pensamento analógi- co, constitucionalmente proibido em matéria de “elementos essenciais dos impostos”. Mais precisamente, sustenta-se o raciocínio que segue. Aplicável ao caso há uma única e exaustiva lex coerta. E essa é a que consta do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro. Sob a epígrafe “Interrupção e suspensão da prescrição”, diz o n.º 1

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