TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como, segundo ainda a recorrente, in casu , o Supremo Tribunal Administrativo teria precisamente recorrido à analogia para resolver a questão que lhe fora colocada – a de saber se estaria ou não prescrita a dívida tributária em causa – a norma aplicada na sua decisão (o n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tribu- tária, quando interpretado no sentido segundo o qual a apresentação de impugnação judicial, para além de interromper o decurso do prazo de prescrição, suspende ou protela o início desse mesmo prazo para o momento em que transitar em julgado a respetiva decisão) seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade fiscal, quer na sua vertente substancial, de definição típica por lei dos elementos essenciais dos impostos, aí incluindo as garantias dos contribuintes, quer na sua vertente formal e orgânica, nos termos da qual, e quanto a esses elementos, pertence apenas ao legislador parlamentar, ou ao legislador governamental autorizado pelo parlamento, a decisão a tomar. 6. Não se contesta a premissa essencial sobre a qual assenta a tese da inconstitucionalidade, assim enten- dida. O Tribunal tem-na confirmado, em jurisprudência constante (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n. os 168/02 e 280/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ). A definição, por lei, do regime de prescri- ção das dívidas tributárias – aí incluindo, não só a fixação do prazo mas ainda as causas e efeitos da interrup- ção ou suspensão do decurso do mesmo – integra indubitavelmente o conceito constitucional de “garantias dos contribuintes”, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP. Como o contribuinte, uma vez decorrido o prazo de prescrição sem que a dívida tributária tenha sido cobrada, fica dela desobrigado, a definição dos termos em que poderá vir a ocorrer, por decurso do tempo, a extinção da obrigação tributária forma um dos elementos essenciais dos impostos, na aceção que esta última expressão ganha nos termos do artigo 103.º da Constituição. Quer isto dizer que o princípio da legalidade fiscal, que garante que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não sejam criados por lei, inclui ainda a identificação das causas e efeitos dos fenómenos de interrupção e suspensão de decurso do prazo de prescrição das dívidas tributárias, pelo que esta definição deve ser feita por lei e só pode ser feita por lei. Até este ponto, portanto, nenhuma dúvida se coloca quanto à tese apresentada, no caso, pela recorrente. Como nenhuma dúvida se coloca quanto ao passo seguinte que essa tese enfrenta. Estando toda esta matéria submetida ao princípio da reserva de lei formal, serão quanto a ela proibidas todas as formas de aplicação analógica do direito, que conduzam à formulação de normas, achadas pelo julgador na decisão do caso concreto, e que não tenham na letra da lei uma correspondência estrita. Sob o ponto de vista da Constituição, essas não serão as normas competentes para resolver os casos, pois que, nestes domínios, valerá o princípio da exclusiva, e exaustiva, competência legal. É o que decorre naturalmente do princípio nullum tributum sine lege coerta. Onde as incertezas começam, porém, é na afirmação da competência do Tribunal Constitucional para conhecer destas questões de inconstitucionalidade, em que a violação da Lei Fundamental se dá no próprio “processo interpretativo” seguido pelo julgador no caso concreto. Como, nestas situações, a inconstitucio- nalidade ocorre pelo facto de se não terem cumprido, durante o processo de aplicação do direito infracons- titucional, as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal ou fiscal, na sua vertente de tipicidade, há numerosa jurisprudência que, com razões poderosas, sustenta que a sua sindicância se encontra fora do âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal (vejam-se, neste sentido e a título de exemplo, os Acórdãos n. os  524/07, 336/03, 331/03, 196/03, e 674/99). Os motivos que explicam tal orientação centram-se em uma dupla qualidade que o Tribunal detém: por um lado, aquela que decorre da sua condição de jurisdição autónoma, existente, no sistema da Constituição, para além dos restantes tribunais (artigo 209.º); por outro lado, aquela que decorre da sua condição de jurisdição com competência para fiscalizar a constitucionalidade de normas e só de normas (artigos 277.º a 283.º). Dado que, enquanto jurisdição autónoma, destinada especificamente a administrar a justiça em maté- rias jurídico-constitucionais, o Tribunal não é instância revisora do modo pelo qual os restantes tribunais in- terpretam e aplicam o direito comum – diz esta orientação – , então, também não pode surgir como tribunal

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