TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

91 acórdão n.º 397/12 Com isto não se quer dizer que o modelo a seguir na definição das substâncias cuja comercialização deva ser proibida ou restringida só possa corresponder ao atual método de pré-elaboração de tabelas, contendo uma enumeração individualizada das substâncias proibidas, mas apenas que a escolha do meio adequado para responder a estas novas realidades terá que respeitar os princípios constitucionais, quer em matéria penal, quer em matéria contraordenacional, nomeadamente o da exigência do mínimo de determinabilidade das normas que tipifiquem as condutas proibidas. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, depois de recomendar à Assembleia da República que interviesse em matéria de controlo de estupefacientes, adotando legislação com referência específica a “grupos de substâncias” e não a substâncias individualizadas, e de apresentar uma Proposta de Lei no sentido de estender o regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, atual- mente vigente, a todas as outras substâncias psicoativas que não sejam controladas por legislação própria e que não estejam contempladas nas tabelas de substâncias proibidas, não obstante produzirem os mesmos efeitos, aprovou o presente diploma, proibindo e sancionando como contraordenação, na região, o anúncio, publicitação, venda ou cedência por qualquer forma, das substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação específica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias. Analisando a definição do âmbito de previsão do diploma em apreço constante do artigo 2.º, verifica- mos que a sua delimitação repousa inteiramente no efeito da substância sobre o sistema nervoso central, o que, materialmente, não oferece maior concretização do que aquela que já resultava da indicação no artigo 1. º, segundo a qual o objeto da proibição de venda e de disponibilização são todas as substâncias naturais ou sintéticas, com a capacidade de alterar a consciência, a disposição ou os pensamentos, com manifestações muito diferentes, cujo fabrico ou comercialização não se encontre especificamente controlada por lei. Visando o presente diploma, nas intenções declaradas pelo legislador no preâmbulo, impedir o consumo de substâncias que provoquem danos irreversíveis para a saúde física e mental dos indivíduos, a definição genérica utilizada não permite restringir o seu âmbito a essa específica categoria de substâncias, uma vez que o estende ao universo alargado de toda e qualquer substância idónea a produzir qualquer tipo de efeito, inde- pendentemente da sua natureza e por mais insignificante que seja, sobre o sistema nervoso central. É uma definição de tal modo ampla e genérica que, abrangendo um tão largo espectro de substâncias, algumas de uso corrente generalizado, não permite aos destinatários desta legislação saberem quais são efeti- vamente as substâncias cuja comercialização e disponibilização é verdadeiramente proibida por este diploma, não lhes permitindo conformar autonomamente as suas condutas, tendo em conta a margem de ação que lhes é permitida. É certo que a definição do âmbito também oferece, como elemento negativo adicional, além da ine- xistência de controlo ao abrigo de legislação própria, a circunstância da substância não ter uma “indicação específica para uso humano”, mas esse aditamento não acrescenta clareza à determinação (positiva) das condutas tipificadas, desde logo porque não concretiza minimamente a origem da indicação a que se refere, como acima se fez notar. Neste contexto, e tendo ainda em atenção que o tipo contraordenacional encontra-se previsto igual- mente na forma negligente, não se vê que esteja ao alcance do destinatário mediano e previdente, um meio que lhe seja exigível, de modelar o seu dever de cuidado e garantir que não disponibiliza a outros substâncias psicoativas perigosas para a saúde. Assim, mesmo tendo presente que estamos perante um tipo de ilícito de mera ordenação social, ele revela um tal grau de indeterminação na definição dos comportamentos proibidos que não satisfaz as exigên- cias dos princípios do Estado de direito democrático da segurança jurídica e da confiança, pelo que as normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 10.º e 11.º, n.º 1, alínea b) , são materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 2.º da Constituição.

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