TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se disse no Acórdão n.º 41/04 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) : « Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto res- trição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos ( cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 158/92, de 23 de abril, 263/94, de 23 de março, publicados no Diário da República , II Série, de 2 de setembro de 1992 e de 19 de julho de 1994, e n.º 269/03, de 27 de maio, inédito). E se tal não resulta diretamente dos preceitos da chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.» A determinabilidade do conteúdo de proibições cujo desrespeito é sancionado com uma coima é um pressuposto da existência de uma relação equilibrada entre Estado e cidadão. Na verdade, essa exigência é um fator de garantia da proteção da confiança e da segurança jurídica, uma vez que o cidadão só pode conformar autonomamente as suas condutas se souber qual a margem de ação que lhe é permitida e quais as reações do Estado aos seus comportamentos. E se a menor danosidade da sanção das contraordenações (as coimas), que nunca afetam o direito à liberdade, conjuntamente com a necessidade de prosseguir finalidades próprias da ordenação da vida social e económica, as quais são menos estáveis e dependem, muitas vezes, de políticas sectoriais concretas, permitem uma aplicação mais aberta e maleável do princípio da tipicidade, comparativamente ao universo penal, o caráter sancionatório e a especial natureza do ilícito contraordenacional não deixam de exigir um mínimo de determinabilidade do conteúdo dos seus ilícitos. Uma vez que nas contraordenações a proibição legal assume especial importância na valoração como ilícitas de condutas de ténue relevância axiológica, a sua formulação tem que necessariamente constituir uma comunicação segura ex ante do conteúdo da proibição aos seus destinatários. A verificação do cumprimento desta exigência constitucional, no caso concreto, envolve a prévia carac- terização das realidades envolvidas, incidindo sobretudo na definição de “substâncias psicoativas” ou de “ substâncias com ação direta sobre o sistema nervoso central”. Na verdade, o artigo 1.º do Decreto sob fiscalização, “ institui a proibição de venda ou disponibilização por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação pró- pria”, e o artigo 2.º, do mesmo diploma, pretendendo melhor esclarecer quais são essas substâncias, refere que aquele conceito abrange “todas as substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação específica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias”, sendo proibida o seu anúncio, publicitação, venda ou cedência por qualquer forma” (artigo 3.º) . As infrações a estas proibições são consideradas contraordenações pelos artigos 3.º e 10.º, estando previstas neste último artigo as respetivas coimas. Como acima se constatou a definição do conceito de “substâncias psicoativas”, constante do artigo 1.º, corresponde ao de “substâncias com ação direta sobre o sistema nervoso central” que é referido no artigo 2.º, pelo que este nada veio a acrescentar ao elemento identificativo inicialmente avançado e que abrange todas as substâncias, naturais ou sintéticas, com a capacidade de alterar a consciência, a disposição ou os pensamen- tos, com manifestações muito diferentes. Qualquer um desses conceitos não se apresenta como elemento típico diretamente operativo, nem no domínio do regime jurídico-penal do tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, constante do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, nem no regime contraordenacional do consumo introduzido pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, na medida em que, em ambos os diplomas, a delimitação do objeto da conduta proibida efetua-se por referência para as tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, em vigor na data dos factos, as quais contém um elenco individualizado das plantas, substâncias e preparados cujo tráfico e consumo é punido.

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