TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

87 acórdão n.º 397/12 Face ao exposto, afasta-se a invocada inconstitucionalidade orgânica dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, n. os  1 e 2, 10.º e 11.º, n.º 1, alínea b), do Decreto em questão, por violação da reserva legislativa decorrente dos artigos 165.º, n.º 1, alíneas c) , 227. º, n.º 1, alínea a) , e 228.º, n.º 1, todos da Constituição. 4. O Requerente suscita uma segunda questão, que se coloca no plano material, da caracterização do conteúdo do ilícito contraordenacional. Embora aceitando a distinta natureza ontológica das infrações contraordenacionais e a impropriedade da transposição de todos os princípios que regem o ordenamento jurídico-penal para o domínio contraordenacional, entende que a descrição efetuada pelo Decreto sob fis- calização dos comportamentos proibidos e sancionados como contraordenação não obedece ao mínimo de determinabilidade e previsibilidade, pois a concretização das substâncias psicoativas escapa às “noções cor- rentes da vida social, aferidas pelos padrões em vigor”. Num Estado de direito democrático a prevenção do crime deve ser levada a cabo com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estando sujeita a limites que impeçam intervenções arbitrárias ou excessivas, nomeadamente sujeitando-a a uma aplicação rigorosa do princípio da legalidade, cujo con- teúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa ( nullum crimen, nulla poena sine lege) . É neste sentido que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segu­rança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. Essa descrição da conduta proibida e de todos os requisitos de que dependa em concreto uma punição tem de ser efetuada de modo a que “se tornem objetiva­mente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos ( Figueiredo Dias, na ob. cit., p. 186). Daí que, incindivelmente ligado ao princípio da legalidade se encontre o princípio da tipicidade, o qual implica que a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime (ou que cons­tituem os pressupostos de medida de segurança), bem como tipificar as penas ( ou as medidas de segurança). A tipicidade impede, assim, que o legislador utilize fórmulas vagas, incertas ou insuscetíveis de delimitação na descrição dos tipos legais de crime, ou preveja penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencial­mente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas huma- nas que relevam do ponto de vista do direito criminal. O princípio da tipicidade tem que ver, assim, com a exigência da determinabi­lidade do conteúdo da lei criminal. Conforme escreve Taipa de Carvalho (em Constituição Portuguesa anotada , organizada por Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, p. 672, da 2.ª edição, da Wolters Kluwer Portugal – Coimbra Editora), «(…) dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime. Só assim o cidadão poderá saber que ações e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser qualificado criminoso, com a consequên- cia de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança”. Não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás nem sequer existe no artigo 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no artigo 32.º, a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10). Contudo, sendo o ilícito de mera ordenação social sancionado com uma coima, a qual tem repercussões ablativas no património do infrator, também aqui se devem respeitar os princípios necessariamente vigentes num Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como o da segurança jurídica e da proteção da confiança.

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