TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mos previsões que procuram uma antecipação da tutela, através da proibição e sancionamento de condutas consideradas potencialmente perigosas para o bem jurídico que se visa proteger. Ora, neste prisma, importa reconhecer ao legislador regional, no exercício da sua autonomia político- - administrativa, e estando-lhe vedada a definição da política criminal através da criação de tipos penais, a possibilidade de promover, através da intervenção no plano contraordenacional, a contramotivação de condutas que apresentem tal perigosidade, designadamente no desenvolvimento de políticas regionais de promoção e tutela da saúde pública. É neste enquadramento que se compreende a aprovação das Resoluções que recomendaram e propuse- ram à Assembleia da República a adoção de medidas legislativas para os quais apenas os órgãos de soberania têm competência, enquanto, quase simultaneamente, no uso das suas competências para definir políticas de tutela da saúde pública na região, incluindo a tipificação de contraordenações, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou o presente Decreto, proibindo e sancionando como contraordenação os atos de publicitação e disponibilização das substãncias psicoativas cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias. Daí que, no caso em apreço, não se encontre no diploma sob fiscalização a expressão da aplicação do critério material que conduzisse ao afastamento da opção axiologicamente fundada pela tutela penal – antes pelo contrário, como resulta do preâmbulo – mas esse raciocínio não consente a afirmação do Requerente de que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem “degradar” a proteção do bem jurídico através do diploma em apreço, dirigido ao controlo de substâncias psicoativas não contempladas nas tabelas constantes do regime penal do tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, nem incluídas noutro regime. Como acontece com os regimes de controlo da venda de álcool e de tabaco a que se fez referência, a escolha pelo regime contraordenacional não envolve, ou, melhor dizendo, não envolve necessariamente, uma afirmação de menor perigosidade, cingida à perspetiva epidemiológica, pois a escolha legislativa obedece a ponderação mais vasta, onde a aferição científica rigorosa da perigosidade assume função predominante, mas sem dispensar considerações socioculturais. Essa necessidade de ponderação prudencial nas várias perspeti- vas do fenómeno e, em especial, na inscrição de plantas, produtos e substâncias nas várias tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, encontra tradução no respetivo preâmbulo, quando se afirma: « a decisão de uma graduação mais ajustada tem de assentar na aferição científica rigorosa da perigosidade das drogas nos seus diversos aspetos, onde se incluem motivações que ultrapassam o domínio científico para rele- varem de considerandos de natureza sócio-cultural não minimizáveis». Quando essa aferição não se encontra ainda efetuada, existindo um vazio legislativo nessa matéria, não há impedimento a que o legislador opte por recorrer a mecanismos de reação fora do direito penal que, entretanto, deem uma resposta à eventual perigosidade do consumo dessas substâncias. Estamos, assim, perante um dos domínios difusos na delimitação científica e sociocultural das substân- cias psicoativas, cuja venda e distribuição apresenta desvalor ético-social que, independentemente de poder vir a fundar a inscrição na tutela penal, justificou de imediato, na avaliação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em exercício da autonomia político-administrativa reconhecida pela Consti- tuição, uma tutela contraordenacional, sem que isso possa significar uma invasão na definição das condutas que constituem crime, a qual se encontra reservada aos órgãos de soberania. Assim não aconteceria caso se verificasse que o regime em apreço comportaria coincidência no seu âmbito objetivo com o regime penal em vigor, em termos de comportar a descriminalização ou a despena- lização de qualquer das condutas compreendidas na esfera de proteção do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na região autónoma da Madeira. Porém, quer na definição do seu objeto (artigo 1.º), quer do seu âmbito (artigo 2.º), a delimitação negativa constante dos segmentos “não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria” e “não regulado por disposições próprias”, conduz à sua aplicação subsidiária, residual, destinada a preencher um vazio legislativo, cedendo sempre que as substâncias psicoativas contém já uma regulação própria, como acontece com todas as incluídas nas tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

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