TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Considera o Requerente que o diploma sob fiscalização, ao legislar em “situações similares às sancio- nadas com uma pena criminal” e também dirigida à tutela da saúde dos consumidores de “substâncias não tipificadas como substâncias psicotrópicas ou estupefacientes”, mas que poderão, em virtude dos seus efeitos, vir a constar das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, invadiu a reserva relativa de competência da Assembleia da República na definição de crimes e penas. Acrescenta que a Assembleia Legis- lativa da Região Autónoma da Madeira, ao aprovar uma Resolução, em exercício da sua iniciativa junto da Assembleia da República, no sentido da extensão do regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos a todas as “substâncias psicoativas” não incluídas nas referidas tabelas anexas, “reconhece natureza penal” a essas condutas, ao mesmo tempo que, mediante a aprovação do decreto legislativo regional em apreço, as procura “degradar”, através da instituição de mera tutela contraordenacional. Na lógica deste raciocínio, apesar de formalmente ter sido criado um tipo de ilícito contraordenacial, uma vez que o mesmo sanciona comportamentos que materialmente têm relevância penal, o legislador regional, ao efetuar essa opção, não deixa de intervir no domínio da definição de crimes e penas, o qual está reservado aos órgãos de soberania, designadamente à Assembleia da República ou ao Governo, mediante autorização daquela, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição. Admitindo-se a possibilidade de violação das regras de competência por este modo, há que ter presente que a opção por um dos dois ilícitos para sancionar uma determinada conduta, tutelando um determinado bem jurídico, constitui uma decisão discricionária para o legislador, o qual, contudo, deverá respeitar a ordem axiológica jurídico-constitucional, sendo certo que, fora dos casos de injunções constitucionais de criminalização expressa, o direito penal só deverá atuar quando as necessidades de tutela o exijam. Figueiredo Dias (em Direito Penal – Parte Geral , tomo I, p. 164, 2.ª edição, da Coimbra Editora) aponta dois exemplos de escola de violação de um critério distintivo material: “(…) considerar o homicídio doloso como contraor- denação, ou como crime contra o ambiente o desfolhar uma modesta flor selvagem numa mata nacional”. Necessário é, para que se justifique uma intervenção fiscalizadora da constitucionalidade, que se torne pos- sível individualizar, a partir da ordem axiológica constitucional, condutas que indiscutivelmente pertencem ou ao direito penal ou ao direito de mera ordenação social e que se verifique uma manifesta e gritante desa- dequação da escolha do legislador. De acordo com o seu preâmbulo, o diploma regional em apreço inscreve-se na tutela geral do bem jurídico saúde pública, perante a danosidade social representada pelo consumo de “substâncias psicoativas”, referidas como responsáveis por “danos irreversíveis para a saúde física e mental do indivíduo”. No domínio da proteção daquele bem jurídico, a disponibilização e publicitação de substâncias nocivas para a saúde humana, no nosso ordenamento, é um comportamento que muitas vezes é encarado como encerrando um perigo de ofensa daquele bem jurídico, uma vez que induz ao consumo dessas substâncias, sendo, contudo, objeto da previsão de sanções de natureza diferente. Na verdade, no domínio do condicionamento à comercialização e publicitação de substâncias cujo con- sumo é nocivo para a saúde humana, designadamente de substâncias psicoativas, encontram-se em vigor no território nacional regimes distintos, de acordo com distintas opções legislativas, incidentes sobre a perigosi- dade social da conduta e a devida censurabilidade ética, pese embora todas ordenadas pela defesa do direito à saúde. Estes comportamentos são tipificados como ilícito penal quando se reportam, de acordo com o con- teúdo do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, “a plantas, substâncias e preparações referidas nas con- venções relativas a estupefacientes ou substâncias ratificadas por Portugal e respetivas alterações, bem como outras substâncias incluídas nas tabelas anexas ao presente diploma” (artigo 3.º). Porém, outras substâncias também psicoativas com forte prevalência epidemiológica mundial – o álcool e as substâncias presentes no tabaco (cfr. o Relatório da OMS de 2004, Neurociências: consumo e dependência de substâncias psicoativas , acessível e m www.who.org ) – merecem igualmente condicionamento, na prossecu- ção da defesa do mesmo bem jurídico .
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