TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (Figueiredo Dias em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar , I, p. 331, da edição de 1983, do Centro de Estudos Judiciários). E por isso, se o direito das contraordenações não deixa de ser um direito sancionatório de caráter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (Figuei- redo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal , pp.150-151, da edição de 2001, da Coimbra Editora).” 37. º A distinção entre os ilícitos penais e os ilícitos de mera ordenação social pode ainda ser relevante na perspetiva das garantias associadas ao processo penal. Nessa linha tem o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplicado o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece o direito a um processo equitativo, a infrações classificadas no direito interno de cada Estado como administrativas ou disciplinares, como ilustrado, a partir do Acórdão Öztürk. Tem sido entendido que se os Estados pudessem, à sua vontade, qualificar uma infração de «administrativa» em vez de «penal», afastando as garantias fundamentais dos artigos 6.º e 7.º da Convenção, a aplicação destas normas ficaria subordinada à sua vontade soberana. Ora uma tão ampla latitude poderia conduzir a resultados incompatíveis com o objeto e fim da Convenção. 38. º No ensaio do reconhecimento da natureza de uma sanção como penal, o mesmo Tribunal Europeu utilizou três critérios: – A qualificação dada pelo direito interno do Estado em causa, a examinar à luz de um denominador comum às legislações dos vários Estados contratantes; – A própria natureza da infração; – O grau de severidade ou gravidade da sanção, tendo como referência o máximo da pena aplicável; 39. º A relação dialética estabelecida entre o regime que foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autó- noma da Madeira e o regime que vigora ao nível nacional, previsto no sempre citado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, manifestamente ignora a distinção entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, ao fazer-se aplicar um regime sancionatório administrativo a situações similares às sancionadas com uma pena criminal. 40. º Isto, na medida em que o diploma regional se dirige à proibição de venda e disponibilização de substâncias não tipificadas como substâncias psicotrópicas ou estupefacientes, mas que, a reconhecer-se a produção dos mesmos efeitos nefastos para a saúde dos seus consumidores, poderão vir a ser integradas no tipo penal aplicável, através do aditamento das substâncias em causa às listagens constantes das Convenções internacionais já citadas e à própria legislação nacional. 41. º Aliás, a própria Assembleia Legislativa, por via do exercício da sua iniciativa legislativa junto da Assembleia da República nos termos atrás referidos, reconhece natureza penal às condutas em causa. Nem podia ser de outro modo pois existe aqui – como é natural num ilícito criminal – uma censura ética dirigida à personalidade do agente.
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