TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
69 acórdão n.º 397/12 33. º Ora, a definição dos ilícitos de mera ordenação social operada pelas normas do decreto regional agora subme- tido à apreciação do Tribunal Constitucional é feita a partir da consideração da incompletude (logo, ineficácia) das listagens das substâncias psicotrópicas proibidas ou condicionadas na legislação nacional, dada a proliferação de substâncias com efeitos semelhantes aos das substâncias proibidas, com “ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central” (como se lê no artigo 2.º), proibindo-se, por isso, “a venda ou disponibilização de substâncias psicoativas não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria” (artigo 1.º). 34. º A opção pelo regime de ilícito de mera ordenação social fica ainda esbatida quando a mesma Assembleia Legislativa aprovou, alguns dias antes (em 17 de julho pp.), uma Resolução – a Resolução n.º 32/2012/M, de 1 de agosto – que consubstancia uma proposta de lei à Assembleia da República com o seguinte teor: “ Artigo 1.º Objeto O regime previsto pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que definiu o regime jurídico do trá- fico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, com as alterações posteriormente concretizadas, é apli- cável a todas as outras substâncias psicoativas que não sejam controladas por legislação própria e que não estejam contempladas nas tabelas de substâncias proibidas, não obstante produzirem os mesmos efeitos. Artigo 2.º Âmbito O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.” 35. º A esta luz, poder‑se‑ia equacionar que o legislador optasse por um regime penal ou por um regime contraor- denacional para estas condutas. 36. º OTribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão suscitada, recordando-se aqui, um trecho do Acór- dão n.º 336/08, publicado no Diário da República , 2. ª série, n.º 138, de 18 de julho de 2008: “(…) existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contraorde- nações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal , pp. 144-152, da edição de 2001, da Coimbra Editora). A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da pro- porcionalidade e da sociabilidade. É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contraordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (Figueiredo Dias, na ob. cit., p. 146). Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contraorde- nações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infrações (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., p. 150). Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=