TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012

68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 27. º Na caracterização jurídico-constitucional do direito à proteção da saúde, a doutrina e a jurisprudência consti- tucionais reconhecem que este direito fundamental não apresenta sempre a mesma natureza, podendo nele avultar a veste de direito, liberdade e garantia ou, em outros casos, de direito económico ou social. 28. º Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portu­guesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 825, em anotação ao artigo 64.º, sustentam que “Tal como muitos outros ‘direitos económicos, sociais e culturais’, também o direito à prote­ção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natu­reza positiva, que significa o direito às medidas e prestações esta­duais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas.” 29. º Noutra perspetiva, Carla Amado Gomes, Defesa da saúde pública vs. Liberdade individual, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1999, pp. 9 e segs: escreveu: “Daí que se possa dizer (…) que, no quadro do Estado Social, a intervenção pública das autoridades administrativas de saúde se desdobra em duas facetas: por um lado regulamentando, interditando, autorizando, impondo, enfim, determinadas formas de atuação aos particulares, quando se movam em áreas relacionadas com a saúde pública; por outro lado, assumindo o encargo de assegurar todo um conjunto de prestações de caráter material (e não só) (…). É contudo, na Lei Fundamental de 1976 que surgem bem patentes as duas vertentes do bem saúde, no artigo 64.º. Por um lado, a faceta de direito subjetivo à saúde – “ todos têm direito à proteção da saúde” – , a par de um dever funda­mental de a defender e promover (n.º 1); por outro lado, a dimensão objetivo-programática, que se traduz na imposição de tarefas ao Estado, de criação e manutenção de uma estrutura de prestação de cuidados de saúde à coletividade (o Serviço Nacional de Saúde – n. os 2 e 3) (…). Esta tarefa fundamental do Estado (…) bem como assim a dimensão subjetiva do direito à saúde, correspondem à explicitação de uma perspetiva predominantemente positiva, de promoção do bem saúde. No entanto, o direito à saúde comporta uma vertente negativa, “que consiste no direito a exigir do Estado (e de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde”. (…) Há, assim, uma bifacetação do Estado – e da Administração (..) – no domínio da saúde. À friendliness do Estado que cria e mantém uma estrutura administrativa de prestação de cuidados de saúde tendencialmente gratuita, junta-se uma roughness ( do outro lado) da Administração que tem por missão prevenir e debelar situações de risco sanitário, se necessário com o sacrifício de direitos dos cidadãos”. 30. º Também Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra Editora 2005, p. 661, em anotação ao artigo 64.º, admitem que “A consagração constitucional do dever fundamental de defender e promover a saúde configura-se como norma habilitadora da introdução de normas proibitivas ou de obri­gações legais em vista à defesa da saúde pública. Sem dúvida que o referido dever fundamental deve ser conjugado com outros direitos fundamentais, não se podendo obliterar, na sua concretização legis­lativa, os limites constitucionais às restrições de direitos, liberdades e garantias”. 31. º Admitindo-se legítima a preocupação expressa pelo legislador regio­nal, sobretudo em face dos direitos e inte- resses em presença, avul­tando o direito à saúde, nas suas múltiplas dimensões, as questões suscitadas pelas normas em apreciação prendem-se, prima facie , com a eventual natureza penal das matérias nelas tratadas. 32. º Como vimos, o enquadramento normativo, nacional, internacional e europeu, da “venda ou disponibilização por qualquer forma de subs­tâncias psicoativas” aponta para a tutela penal dos bens e direitos afetados pelo acesso e consumo dessas substâncias.

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