TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 84.º Volume \ 2012
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL face à circunstância de os valores em questão não terem chegado a ser aplicados para os fins inicialmente previstos, qual a regra que deve presidir à sua atribuição, não se estando em presença de um puro ato admi- nistrativo traduzido na mera aplicação de um regime legal anteriormente existente. O legislador, neste caso, face a uma anterior intervenção do Governo Regional, traduzida no Despacho que procedeu à revogação da criação do referido “Fundo Social” e devido ao vazio entretanto criado pela circunstância de não ter sido dado o destino inicialmente previsto para os valores que constituíram o suporte financeiro inicial desse “ Fundo”, veio intervir na matéria, determinando quem teria direito a receber esses valores. E o artigo 2.º do Decreto em apreço, em complemento da definição deste critério normativo, limita-se a atribuir à ANAM a competência para proceder à entrega dos referidos valores de acordo com o estabelecido no referido critério e a fixar um prazo para a prática desse ato. Ora, embora este segundo preceito possa ser olhado como uma concretização da norma anteriormente consagrada, prescindindo-se, assim, de um ulterior ato ou atividade da administração para a sua aplicação, tal ocupação, pelo poder legislativo, de uma esfera de ação que poderia ter sido diferida aos órgãos da admi- nistração, não se traduz, só por isso, na invasão de uma área da reserva do Governo Regional. Na verdade, o eventual recurso a uma atividade executiva da administração seria sempre a título mera- mente subsidiário e instrumental, nada impedindo que o ato do poder legislativo a dispense, salvo se este se encontrasse em qualquer espaço especificamente reservado pela Constituição à intervenção do Governo Regional ( v. g. o previsto no artigo 231.º, n.º 6) ou se pudesse dizer que o seu conteúdo integrava o núcleo essencial da atividade executiva deste órgão. Ora, a mera determinação da entidade competente para proceder à entrega dos valores constituintes do suporte financeiro inicial de um “Fundo Social”, cuja criação pelo Governo Regional foi por este entretanto revogada, e a fixação do prazo para a prática desse ato, na sequência da definição pelo legislador do critério normativo que deve regular os termos dessa entrega, não se situam em qualquer domínio constitucional- mente reservado à intervenção do Governo Regional, nem, uma vez que respeitam a matéria alheia à gestão corrente da Administração Pública, se incluem no núcleo essencial da sua atividade executiva. Por estes motivos, não se revela que a aprovação destas normas pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira viole o princípio da separação de poderes, por intromissão deste órgão na esfera de competência do Governo Regional. 7. Finalmente, o Requerente alega que a intervenção do legislador regional ao emitir as normas em análise viola o princípio da separação de poderes, porque se traduz numa ingerência inadmissível na admi- nistração da justiça, no sentido de influenciar a solução judicial de um litígio pendente nos tribunais, e o direito a um processo equitativo. Previamente à análise da questão convém lembrar que a iniciativa legislativa que conduziu à aprovação deste diploma se iniciou em data anterior à propositura da ação judicial invocada pelo Requerente, pelo que nunca seria possível imputar ao legislador regional uma intenção de moldar a decisão desse pleito judicial. Contudo, existindo uma reserva de jurisdição, isto é áreas de atuação exclusivamente reservadas à ati- vidade jurisdicional, há que verificar se, objectivamente, face ao conteúdo das normas sob fiscalização, se verifica uma invasão desses domínios, com a inerente violação do princípio da separação de poderes. A resolução de conflitos de interesses em casos concretos, aplicando critérios jurídicos previamente defi- nidos sem outro fim que não seja o de prover à solução jurídica desses concretos conflitos, é monopólio da função jurisdicional (artigo 202.º da Constituição). No presente caso, as normas sob fiscalização, se visaram a resolução de uma situação concreta – o destino dos valores integrantes do suporte financeiro inicial do “Fundo Social da Direção Regional dos Aeroportos”, cuja criação havia sido revogada –, estando delas ausente a característica da abstração, não decidiram um qualquer litigio pré-existente sobre a aplicação de critérios jurídicos vigentes ao caso. Antes foram elas que estabeleceram o critério a aplicar na destinação desses valores – as verbas depositadas devem ser atribuídas e devolvidas proporcionalmente aos trabalhadores que efetuaram os respetivos descontos ou, em caso de faleci-
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